quinta-feira, 27 de agosto de 2009

Somos um país laico de fato?

Sob protestos do PSOL e do PPS, o plenário da Câmara aprovou na noite da quarta-feira, 26, o texto base da ratificação de acordo entre Brasil e Vaticano, que prevê a instituição do ensino religioso em escolas públicas, isenções fiscais e imunidade de entidades religiosas perante leis trabalhistas.
Assinado no final do ano passado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o papa Bento XVI, o acordo prevê também a manutenção, com recursos do Estado, de bens culturais da Igreja Católica, como prédios, acervos e bibliotecas.Criticado por setores da sociedade, como a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), o texto acabou aprovado em votação simbólica após a costura de uma negociação com a bancada evangélica para estender os privilégios às demais religiões. O acordo seguirá agora para o Senado.Aprovado na semana passada pela Comissão de Relações Exteriores da Câmara, o texto tem 20 artigos que criam um estatuto jurídico e legitimam direitos que a Igreja Católica detém. Entre outros pontos, o acordo prevê que o casamento oficiado pela igreja, caso siga também as exigências do direito civil, tenha valor jurídico.A ratificação do acordo deve suscitar ações de inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal (STF), segundo o deputado Regis de Oliveira (PSC-SP). Ele fez um apelo para que o texto fosse retirado de pauta para maior discussão. "Não se pode votar matéria dessa gravidade no escuro", disse. "Estamos entrando em terreno perigoso porque o Brasil é um estado laico e não podemos interferir nisso", disse. Coube ao deputado Chico Abreu (PR-GO) encaminhar a votação contra o acordo. "Embora sejamos um País católico, o ensino religioso não pode ser uma imposição na rede pública", criticou. Ele considerou também que o texto cria privilégios à Igreja Católica em relação às demais religiões.Para o deputado Antônio Carlos Biscaia (PT-RJ), o acordo respeita o ordenamento jurídico brasileiro e não fere a Constituição, uma vez que apenas consolida diversas normas praticadas no Brasil. Ele lembrou que outros Estados laicos, como a Itália, aprovaram acordo semelhante com o Vaticano e outras religiões. Além disso, conforme destacou, o Congresso "tem legitimidade para convalidar tratados e acordos internacionais".Um dos pontos mais polêmico é o parágrafo 1º do artigo 11, que institui o ensino religioso facultativo nas escolas públicas de ensino fundamental. Embora o texto tenha passado na íntegra, a Câmara aprovou uma recomendação para que Lula, ao editar o decreto que colocará o acordo em vigor, suprima do artigo a expressão "católico e outras confissões".
Para viabilizar a aprovação, os líderes partidários tiveram que fechar acordo com os evangélicos no sentido de aprovar um projeto de lei do deputado George Hilton (PP-MG), que é evangélico.
O projeto generaliza os artigos do acordo com a Igreja Católica, estendendo os benefícios do tratado a todas as religiões. Por exemplo, o reconhecimento do patrimônios histórico e cultural, material ou imaterial, como parte do patrimônio cultural brasileiro, passa a valer para todas as crenças.
As isenções fiscais e trabalhistas também são estendidas para todos.
O texto do deputado vai além do acordo com o Vaticano, porém, ao definir que "é livre a manifestação religiosa em logradouros públicos, com ou sem acompanhamento musical, desde que não contrariem a ordem e a tranqüilidade pública".
O texto diz ainda que o ensino religioso "é parte integrante da formação básica do cidadão", mas veta o proselitismo nas aulas da disciplina.

quarta-feira, 26 de agosto de 2009

Discussões no plenário do senado.

A crise na Receita Federal ganhou espaço nas discussões no plenário do Senado nesta quarta-feira (26). Servidores de alto escalão do órgão pediram exoneração do cargo em solidariedade à ex-secretária Lina Vieira e dois ex-assessores dela que foram perderam os cargos. A oposição quer ouvir os servidores que pediram para sair. A discussão sobre a Receita foi ao noticiário após Lina ter dito que ouviu da ministra Dilma Rousseff (Casa Civil) em um encontro no Palácio do Planalto um pedido para “agilizar” investigações contra Fernando Sarney, filho do presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP). Dilma nega o encontro e o pedido. Em plenário, os líderes do PSDB, Arthur Virgílio (AM), e do DEM, José Agripino (RN), defenderam que o Senado ouça os servidores que pediram exoneração em apoio à ex-secretária. “Essa gente toda se entrega no sacrifício para corroborar uma mentira? Ou essa gente tem absoluta convicção de que a verdade está com a doutora Lina? É obrigação desta Casa ouvir aqueles que se solidarizaram a ela”, afirmou Virgílio. “Não é possível que essa onda inédita de demissões com justificativas por escrito do uso da Receita Federal para fins políticos tenha ocorrido após a saída da Lina. Que os diretores que saíram venham aqui se explicar”, fez coro Agripino. O líder do PT, Aloízio Mercadante (SP), saiu em defesa do atual secretário da Receita, Otacílio Dantas Cartaxo. Ele considerou natural a substituição de funcionários em cargos de comando. “A secretária Lina Vieira, quando assumiu o cargo, trocou cargos de confiança, o que é da natureza do cargo que ela assumiu. Ela saindo, o novo secretário tem o mesmo direito de montar a sua equipe”, disse Mercadante.

Procuração

RESUMO
Este trabalho revela a possibilidade jurídica de reconhecer a procuração como negócio jurídico autônomo e independente, desvinculando-a do mandato, bem como apresentando as diferenças entre os dois institutos.
1.- INTRODUÇÃO
Delinear o caminho que conduz os doutrinadores ao entendimento e à admissibilidade da existência da procuração como negócio jurídico autônomo e independente do contrato de mandato, denominada por alguns doutrinadores e juristas como "negócio jurídico de procuração", é o objetivo dessa pesquisa.
Muito importante, especialmente ao notário, redator especializado, perceber as semelhanças e as diferenças desses instrumentos, até para que, no seu cotidiano,utilize-se de denominações técnicas precisas e corretas, a fim de evitar interpretações ampliadas para os instrumentos que lavra.
Busca a presente pesquisa abordar o tema referente ao negócio jurídico de procuração, seus aspectos, sua regulamentação no direito pátrio, com o objetivo de conhecer mais detidamente o assunto, e suas conseqüências práticas.
Cabe salientar ainda que, direcionamos o trabalho acerca da representação voluntária, sem nos deter na chamada representação legal, ou seja, aquela que decorre da lei, como por exemplo a representação exercida pelo tutor, pelo curador ou pelo inventariante.
2.- A REPRESENTAÇÃO
No âmbito do direito civil, a representação, no mundo moderno, apresenta-se como assunto basilar para a validade dos negócios jurídicos. Nessa pesquisa procurarei ater-me à representação voluntária, fundada em instrumento procuratório (procuração) público ou particular.
A representação poderá ser legal, nos casos em que a lei expressamente permite, caso do pai no exercício do pátrio poder, do tutor e do curador. Já a representação voluntária ou convencional, origina-se através da outorga de poderes para que outra pessoa pratique atos jurídicos, em nome do representado.
Para a realização e perfectibilização dos negócios jurídicos, faz-se necessário a presentação, como bem ensina Pontes de Miranda, do interessado. Entretanto, no mundo moderno, necessário se faz, em diversas situações, estar presente em locais diversos, o que, humanamente é impossível. Assim, através de um representante, investido de poderes pelo interessado, poderá, em seu nome, praticar determinado ou determinados atos.
Pontes de Miranda é preciso na conceituação da representação:
"Representação é o ato de manifestar vontade, ou de manifestar ou comunicar conhecimento, ou sentimento, ou de receber a manifestação, ou comunicação, por outrem (representado), que passa a ser o figurantee em cuja esfera jurídica entram os efeitos do ato jurídico, que se produz".
2.1.- A REPRESENTAÇÃO DIRETA E INDIRETA
Os doutrinadores classificam a representação em direta ou indireta. Na representação indireta, o participante de um negócio jurídico pratica determinado negócio em nome próprio, mas por conta alheia. Assim, posteriormente, o representante deverá transmitir os direitos para o representado, após esses mesmos direitos integrarem sua esfera jurídica, eis que agia em seu próprio nome. Na representação direta, o representante atua em nome alheio e os atos por ele praticados, no âmbito de seus poderes, integram imediatamente a esfera jurídica do representado.
Segundo LEONARDO MATTIETTO, a representação tem um pressuposto (a relação jurídica básica), um requisito (agir em nome de outrem) e um efeito típico (a imputação na esfera jurídica do representado).
Da relação jurídica básica, emergem os poderes que delimitarão a esfera de atuação do representante, que estará agindo em nome do representado.
O agir em nome de outrem é o cerne da representação, já que, se não fosse assim estaríamos diante da representação indireta, que, no direito moderno, sofre muitas críticas e restrições, pois a necessidade da transferência de direitos do representante para o representado exclui a idéia da representação.
O efeito típico produzido pela representação consiste no fato de que o negócio jurídico praticado pelo representante produz efeitos na esfera jurídica do representado.
No direito brasileiro, muitos doutrinadores entendem que não é possível a representação voluntária, senão emergente do contrato de mandato. Filiam-se a esse entendimento PLÁCIDO E SILVA, WASHINGTON DE BARROS MONTEIRO, CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA dentre outros. Entretanto, doutrinadores como PONTES DE MIRANDA, preferem traçar distinções técnicas e precisas, a fim de admitir a existência da outorga de poderes, como negócio jurídico abstrato, sem qualquer dependência quanto ao negócio jurídico subjacente ou sobrejacente, podendo assim ser válida e eficaz, sem que o seja o negócio jurídico subjacente ou sobrejacente.
2.2.- DISTINÇÕES CONCEITUAIS ENTRE MANDATÁRIO E PROCURADOR
Importante também para esse estudo, distinguir precisamente as expressões usadas como mandatário e procurador.
Mandatário é a pessoa investida nos poderes outorgados pelo mandante, para em nome desse, praticar atos ou realizar negócios. Procurador é a designação dada à pessoa em favor da qual se emitiu uma ordem ou autorização para agir em nome de outorgante. Mandatário é gênero. Procurador é espécie.
Assim, desses conceitos, pode-se concluir que pode haver procuração sem mandato, bem como pode haver mandatário sem procuração.
No caso do mandatário sem procuração, estaríamos diante da representação indireta, onde o mandatário, autorizado por um negócio jurídico subjacente, praticaria os atos autorizados, em seu próprio nome, transferindo, posteriormente, os direitos ao mandante, para somente aí, o negócio integrar a esfera jurídica do representado. Nessa hipótese, o mandatário poderia estar autorizado por um contrato de mandato a praticar determinados atos, mas não possuiria o instrumento exteriorizador do negócio subjacente, qual seja, a procuração.
Já no caso do procurador, que estaria agindo dentro dos limites dos poderes que lhe foram conferidos, pode-se imaginar que irá praticar os atos em nome do outorgante, e os negócios por ele, procurador, realizados, integrarão desde já, a esfera jurídica do outorgante.
2.3.- FORMAS DE PROCURAÇÃO: PÚBLICA E PARTICULAR
Ensina DE PLÁCIDO E SILVA:
"A procuração é, pois, o documento ou título mediante o qual uma pessoa, por escrito, dá a outrem poderes para, em seu nome e por sua conta, praticar atos ou administrar interesses". (Tratado do Mandato e Prática das Procurações, Vol. II, p. 925)
Então, quanto à sua forma, a procuração poderá ser pública ou particular. Será pública a procuração lavrada pelo tabelião de notas, em livro próprio, na serventia notarial, arquivando-se o original no livro de procurações e expedindo-se um traslado ou certidão do ato, conforme o caso. A procuração particular, no entanto, será assim considerada quando lavrada pelo outorgante ou por qualquer pessoa por ele autorizada para tal prática.
A questão da atração da forma divide a doutrina brasileira, face à ausência de normatização. Alguns doutrinadores entendem que para se outorgar uma escritura pública de compra e venda de bem imóvel na forma do artigo 215, do Código Civil Brasileiro, não há necessidade do outorgado estar investido nos poderes sob a mesma forma, ou seja, ser portador de procuração pública. Entendem esses que a limitação é imposta pelo artigo 108, combinado com o artigo 657, do Código Civil Brasileiro que estabelece:
"Artigo 657 – A outorga do mandato está sujeita à forma exigida por lei para o ato a ser praticado. Não se admite mandato verbal quando o ato deva ser celebrado por escrito".
Assim, as demais formas, que não a verbal, estariam entre as possíveis de habilitar o procurador para a prática do ato público (outorga de escritura pública de compra e venda, como adquirente ou transmitente).
A doutrina estrangeira, no entanto, tem entendimento divergente, ou seja, aquele pelo qual a procuração deve revestir-se da forma prescrita para o ato a ser praticado pelo procurador. Parece-me, tecnicamente, o entendimento mais acertado. Muito embora inexistam preceitos legais que, no Brasil, esclareçam sobre o assunto, no Estado do Rio Grande do Sul, foi objeto de Ofício Circular n.º 15/95, e também constante do artigo 678, da Consolidação Normativa Notarial e Registral, a questão da atração da forma.
O artigo 678, do Provimento 01/98-CGJ, é taxativo:
"Art. 678 – A procuração outorgada para a prática de atos em que seja exigível o instrumento público também deve revestir a forma pública".
Se, no ordenamento jurídico pátrio inexiste referência expressa sobre a atração da forma, em nosso Estado, há orientação de parte da Corregedoria-Geral da Justiça de que seja observado o conteúdo do Ofício-Circular e também o que determina o Provimento n.º 01/98.
3.- NEGÓCIO JURÍDICO DE PROCURAÇÃO OU ATO JURÍDICO UNILATERAL
Alguns doutrinadores pátrios têm defendido a idéia de que a procuração pode ser um instrumento autônomo, independente do contrato de mandato e mais, que o legislador brasileiro ao legislar sobre a matéria, confundiu mandato com procuração.
Diante dos conceitos que procuramos estabelecer anteriormente, podemos auferir que esse entendimento parece correto tecnicamente. Diante da limitação imposta pelo artigo 657, do Código Civil Brasileiro, já referida anteriormente, podemos fazer o seguinte exercício de raciocínio. Toda vez que um procurador outorga uma escritura pública de compra e venda de bem imóvel, por exemplo, diante do que determina o artigo 657, será inadmissível o mandato verbal. Essa é uma situação explícita em que o legislador confundiu procuração com mandato. Senão teríamos que exigir do procurador constituído por instrumento público, o contrato de mandato expresso, se verbal é vedado. Ora, parece-nos difícil visualizar essa situação na prática.
Nessa idéia, fica esclarecida a possibilidade de haver a procuração sem mandato e não apenas como documento, mas sim, como um negócio jurídico.
No entendimento de LEONARDO MATTIETTO, a procuração tem como características ser um negócio jurídico unilateral, autônomoe abstrato.
Na qualidade de negócio jurídico unilateral, a procuração se forma com a declaração de vontade do representado, sendo dispensável o consentimento do representante, muito menos daquele frente ao qual será praticado o ato autorizado no instrumento procuratório. Segundo JOSÉ DE OLIVEIRA ASCENSÃO em sua obra Direito Civil – Teoria Geral. Coimbra: Coimbra Editora, 1999, Vol. II, p. 233, pode-se entender que:
"A procuração é um ato unilateral e não necessita de estar sequer associada a um contrato. Estando-o, pode estar associada a contratos diferentes do mandato. E pode o representante ter o direito, mas não a obrigação de praticar os atos; ao contrário do mandato, pois é essencial no mandato a obrigação de praticar um ou mais atos jurídicos no interesse do mandante".
O negócio jurídico de procuração tem vida autônoma, ou seja, é independente, mesmo que não se constitua isoladamente, mas em conexão com outras relações, como as derivadas do contrato de mandato.
Quanto à abstração, o entendimento da doutrina não é pacífico. Parte dela entende que a procuração constitui negócio jurídico abstrato e os direitos decorrentes do negócio jurídico celebrado entre o representante e o terceiro não são dependentes do negócio que deu lugar ao nascimento do poder de representação. E conclui:
"Outorgada a procuração, liberta-se de sua causa, e a relação básica (entre o representante e o representado) não poderá ser alegada futuramente para invalidar as obrigações decorrentes do negócio representativo". (MATTIETTO, Leonardo. A representação voluntária e o negócio jurídico de procuração. Revista Trimestral de Direito Civil, ano I, volume 4, out/dez-2000.)
Há entendimentos de que a procuração constitui-se negócio jurídico causal.
Verifica-se, também, tendência a se referir à procuração como ato jurídico unilateral. A negação do caráter jurídico funda-se na ausência de surgimento de direito para o representante. Existe, sim, a criação de uma situação fática ensejadora da concretização negocial pela aceitação do destinatário, como ensina Renan Lotufo, in Questões relativas a Mandato, Representação e Procuração, p. 151.
Utilizam-se, os doutrinadores dos nomes ATO JURÍDICO e NEGÓCIO JURÍDICO, como equivalentes, eis que, muitos entendem não ter fundamento a distinção que grande parte da doutrina atual estabelece entre o negócio jurídico e o chamado ATO JURÍDICO EM SENTIDO ESTRITO, que seriam duas espécies do gênero ato jurídico, gênero caracterizado pela necessária voluntariedade.
JOSÉ CARLOS MOREIRA ALVES em "A Parte Geral do Projeto de Código Civil Brasileiro", é favorável à denominação de negócio jurídico. Pode-se constatar que a procuração está ligada ao poder de representação e instrumentaliza esse mesmo poder.
5.- CONCLUSÃO
O esclarecimento trazido à tona pela pesquisa realizada sobre a representação voluntária e o negócio jurídico de procuração, a meu juízo é muito pertinente.
Quando se tem a oportunidade de elaborar uma pesquisa como essa, constata-se que por mais singular que seja o conceito jurídico elaborado, sempre suportará entendimento diverso. Talvez seja essa característica que torna o mundo do Direito tão fascinante. O fato de não caberem entendimentos pontuais sem divergências.
De um lado, a legislação brasileira teve várias Cartas Magnas, mas, somente com o advento do novo Código Civil, pudemos perceber os avanços trazidos ao longo dos anos pelos doutrinadores. Ademais, desde 1916 até o novo Código Civil (Lei nº 10.406), muitos posicionamentos de juristas renomados foram revistos. Em assuntos como a representação voluntária, objeto dessa pesquisa, passou "in albis" pelo legislador, quero dizer, não foi objeto de regulamentação específica, cabendo muitas divergências e entendimentos entre o que é permitido e o que não é vedado.

segunda-feira, 24 de agosto de 2009

A abusividade da cobrança da "consumação mínima"

Quem milita nas lides forenses em matérias versando essencialmente sobre Direito do Consumidor, volta e meia depara-se com as mais esdrúxulas afrontas a comezinhas regras desse monumental microssistema. As ilegalidades e abusividades são as mais diversas, sempre tendo alguém para inventar algo que possa, de algum modo, burlar a frágil estrutura negocial do consumidor que, em sua maioria absoluta, é composto de pessoas de baixa renda e tirocínio comercial.
Já há algum tempo, a novel abusivididade atinge, por mais das vezes, a jovial camada de consumidores que freqüentam as casas e os restaurantes noturnos. Trata-se da por muito conhecida "cobrança mínima". Além dos estabelecimentos comerciais freqüentemente não comunicarem, previamente, o consumidor sobre a cobrança de serviços extras, outros tantos infringem o Código de Defesa do Consumidor e cobram taxas ilegais.
Segue a mesma linha de raciocínio a cobrança, muitas vezes exagerada, pela perda do cartão de consumação. Ante a transferência da responsabilidade pelo controle de consumo (que, originariamente, é do estabelecimento comercial), tem o consumidor sido compelido a pagar valores previamente fixados pelos fornecedores, em patamares deveras elevados. Às claras, o consumidor não pode ser obrigado a pagar o montante exigido pela casa nos casos de perda do cartão.
Por primeiro, cumpre observar que, o artigo 39 do Código de Defesa e Proteção do Consumidor, explicita claramente que é vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, condicionar o fornecimento de um produto ou de serviço ao de outro, bem como, sem justa causa, a limites quantitativos (inciso I, in fine).
A primeira parte desse dispositivo proíbe a chamada "venda casada", sob o manto da qual repousa, inexoravelmente, a limitação do fornecimento do produto através da consumação mínima. A prática, portanto, redunda em prática totalmente ilícita e abusiva, nos exatos termos do artigo 39 (inciso I, primeira parte). Nenhum fornecedor pode condicionar a venda de um produto à aquisição de outro; no caso fluente, nenhum estabelecimento comercial pode condicionar a entrada de um consumidor em seu recinto ao pagamento de certa quantia mínima, determinando-lhe previamente quanto tem de gastar. O que se permite é a cobrança fixa de ingresso de entrada, ou qualquer valor sob rubrica semelhante.
Afora a abusividade da limitação do fornecimento do produto, tisnando-a de ilegal pela venda casada, a parte final do inciso I do artigo 39, de per si, veda a imposição de limites ao consumo do cliente. Não se pode condicionar a compra a mais nem a menos, sob pena de afronta a liberdade de contratação e a autonomia da vontade. O cliente, neste tocante, tem direito de consumidor apenas alguma ínfima parcela dos produtos vendidos pelo fornecedor, e, em conseqüência, de pagar só aquilo que consumir. Se a consumação mínima for apresentada para pagamento, incluída na nota de débito, o consumidor tem todo o direito de se recusar ao pagamento.
Prevendo, desde já, que esta recusa ao pagamento pode resultar em imensuráveis transtornos, então que o consumidor requeira nota fiscal especificando o que foi cobrado a título de consumação mínima no documento. Ao depois, munido da prova do pagamento indevido, que se valha o consumidor da ação objetivando o reembolso do que fora coagido a pagar indevidamente, em dobro.
Outro aspecto também merece especial relevo: a consumação mínima fomenta o enriquecimento ilícito do estabelecimento comercial, por permitir-lhe promover a cobrança de produto ou um serviço não consumido pelo cliente. Se o consumidor, simplesmente entra no estabelecimento, conversa com amigos, e coloca-se em retirada, nada ingerindo, ainda assim tem de pagar a "consumação mínima"! Não há qualquer contraprestação, apenas uma das partes está sofrendo desfalque patrimonial: o consumidor. O fornecedor nada vende, nada fornece, mas ainda assim está sendo remunerado. Absurda a proposição!
Logo, mesmo sem navegar profundamente pelas veredas protecionistas do Código de Defesa do Consumidor, facilmente se conclui a impossibilidade jurídica dos estabelecimentos comerciais continuarem promovendo a cobrança da malfadada "consumação mínima", posto abusiva e de nenhum efeito. Eventual montante pago pelo consumidor a tal título, outorga-lhe o direito à repetição em dobro do que desembolsou, corrigido monetariamente e acrescido dos juros legais.

quarta-feira, 19 de agosto de 2009

VERGONHA NACIONAL.

O Conselho de Ética do Senado arquivou nesta quarta-feira (19) todas as acusações contra o presidente da Casa, José Sarney (PMDB-AP). As denúncias e as representações contra o peemedebista foram arquivadas por nove votos a favor e seis contrários à abertura de processo. Todas as ações já tinham sido arquivadas por decisão do presidente do colegiado, Paulo Duque (PMDB-RJ), mas a oposição recorreu da decisão. A oposição planeja repetir o movimento, agora recorrendo ao plenário do Senado, em uma nova tentativa de forçar a investigação das acusações contra Sarney.
Leia mais sobre o caso
conselho ainda avaliará uma acusação apresentada pelo PMDB contra o líder tucano Arthur Virgílio.Foram seis denúncias analisadas em bloco pelos integrantes do colegiado. Quatro foram apresentadas pelo líder tucano Arthur Virgilio (AM) e duas em conjunto por Virgilio e Cristovam Buarque (PDT-DF). As representações foram cinco: três protocoladas pelo PSDB e duas pelo PSOL.As denúncias têm um peso menor em relação às representações, apresentadas por partidos e que podem resultar em cassação. O caminho até a perda de mandato, no caso de uma denúncia, é mais longo.Votaram a favor da abertura de processo os seguintes senadores: Demóstenes Torres (DEM-GO), Eliseu Resende (DEM-MG), Marisa Serrano (PSDB-MS), Sérgio Guerra (PSDB-PE), Rosalba Ciarlini (DEM-RN), Jefferson Praia (PDT-AM). Votaram contra a investigação: Wellington Salgado (PMDB-MG), Almeida Lima (PMDB-SE), Gilvam Borges (PMDB-AP), Inácio Arruda (PCdoB-CE), o vice-presidente do conselho, Gim Argello (PTB-DF), o corregedor Romeu Tuma (PTB-SP). Três petistas também foram contra as acusações: o titular João Pedro (AM) e os suplentes Delcídio Amaral (MS) e Ideli Salvatti (SC). As votações se repetiram tanto na análise em bloco das denúncias como na avaliação das representações. O presidente do conselho, senador Paulo Duque (PMDB-RJ) só votaria em caso de empate. O petista Eduardo Suplicy (SP) não votou, por ser o terceiro suplente do partido, mas deixou registrado que votaria a favor da investigação.
Críticas ao PTNo início da sessão, foi lida no plenário do conselho uma carta do presidente nacional do PT, Ricardo Berzoini, com a orientação para que todos os integrantes do partido votassem pelo arquivamento das representações, por achar que o conselho "não tem condições para encaminhar uma investigação isenta e equilibrada".O senador Demóstenes Torres (DEM-GO) criticou a carta do PT. "Essa nota é deplorável em todos os aspectos. Hoje o PT tem um discurso que se dissocia totalmente da prática. Deixou de ser um partido dialético para ser 'duolético'. Perdeu sua identidade e muda de posição toda hora".Pedro Simon (PMDB-RS) foi ainda mais duro em sua crítica, ao dizer que "hoje é o dia em que o PT abraça o Sarney e o Collor e a (senadora) Marina (Silva) sai. Não sei quem representa o PT lá na origem hoje: se é o Lula do Sarney ou se é a Marina".Após recorrer do arquivamento sumário das acusações pelo presidente do conselho, a oposição passou a trabalhar em busca dos votos do PT, que seriam decisivos na tentativa de desarquivar as acusações. O debate gerou divergências dentro do Partido dos Trabalhadores a ponto de fazer seu líder no Senado, Aloizio Mercadante (SP), colocar sua liderança à disposição. Ele estaria sendo pressionado por aliados para substituir os petistas que fazem parte do conselho, o que aumentaria a 'blindagem' ao presidente Sarney.O debate e a articulação da oposição mostraram-se inócuos nesta quarta, depois da orientação do presidente do partido e do seu resultado prático: três votos do PT a favor do arquivamento das acusações.

sexta-feira, 14 de agosto de 2009

Quando o preço à vista é igual ao preço a prazo há configuração de uma venda casada?

Realizar uma compra sob a proposta de que o preço a ser pago à vista é o mesmo do preço a prazo significa comprar duas coisas ao mesmo tempo: o bem de consumo que se pretende obter e o crédito que o fornecedor está embutindo de forma sub-reptícia na venda.
Nos termos do art. 39, I do Código de Defesa do Consumidor, a venda casada é uma prática abusiva pela qual um fornecedor condiciona a venda de produto ou serviço ao fornecimento de outro produto ou serviço. Dessa forma, o consumidor só poderá adquirir aquilo que escolheu se aceitar comprar também outra coisa.
Quando o consumidor pretende obter uma mercadoria ou serviço, pagando à vista por ele e é informado de que o preço é o mesmo, à vista ou a prazo, está sendo forçado a comprar dois produtos ao mesmo tempo - o bem de consumo e o valor do crédito embutido no preço.
Explica-se: o crédito concedido nas compras a prazo pressupõe a respectiva remuneração para o empresário que o está concedendo. Assim, o consumidor pode levar para casa seu produto, utilizando para tanto, o dinheiro do próprio vendedor, que financia a compra do consumidor mediante remuneração. Essa remuneração se dá através dos juros. É como se o comerciante dissesse: "eu te empresto dinheiro para comprar hoje e você me paga depois, porém, vai pagar mais caro, porque eu quero uma remuneração pelo empréstimo".
Essa prática é tão antiga quanto o comércio. Vide as figuras dos títulos de crédito que surgiram na baixa idade média para documentar créditos entre comerciantes. Como se vê, não há nada de errado na cobrança de juros para a realização do empréstimo quando o consumidor precisa e quer o crédito para realizar sua compra. Para tanto o CDC municiou o consumidor do direito de verificar quanto está sendo cobrado de juros (art. 52, I) para que ele possa avaliar se vale a pena comprar a prazo ou não, cotejando o rendimento de suas aplicações com o montante de juros que pagará se utilizar o crédito do comerciante, ou se optar por outra fonte de financiamento.
No entanto, verificando a vantagem em vender a mercadoria e o crédito ao consumidor desavisado, muitas empresas convencionam que o preço é igual para ser pago à vista ou em parcelas mensais. A vantagem dessa prática para o fornecedor reside no fato de que ele está vendendo o bem de consumo e o crédito.
Apesar das reiteradas reclamações sobre inadimplência no comércio, os mecanismos de prevenção têm se tornado cada vez mais eficientes. As consultas rápidas e fáceis, principalmente para os grandes magazines e lojas de departamento, as quais contam com terminais integrados aos serviços de proteção ao crédito, previnem uma grande parte da inadimplência. Assim, os clientes que se propõem a comprar a prazo, geralmente são os bons pagadores pois já têm um histórico limpo que lhes permite tal facilidade. Para esses clientes é mais vantajoso vender o produto e o crédito, de forma conjugada, para ganhar duas vezes. Ganha-se pelo lucro do bem vendido e pelos juros inerentes ao crédito.
Ao dizer que não haverá distinção entre o valor pago à vista e o valor parcelado, o fornecedor está "estimulando" o consumidor a realizar a compra a prazo. Verifica-se então a ocorrência de uma venda casada, pois, o consumidor que gostaria de pagar à vista, não está comprando só a mercadoria mas também está pagando por um crédito que ele não precisava.
Quando o consumidor é obrigado a comprar pagando o bem ou serviço adquirido juntamente com o crédito embutido e imposto pelo fornecedor, está configurada a abusividade prevista no art. 39, I do CDC.
A relação de consumo que compreende uma cláusula abusiva tem como conseqüência a nulidade daquela disposição, sem prejuízo da continuidade do contrato naquilo em que for válido. Pelo princípio da preservação do contrato previsto no § 2.º do art. 51, "a nulidade de uma cláusula contratual abusiva não invalida o contrato, exceto quando de sua ausência, apesar dos esforços de integração, decorrer ônus excessivo a qualquer das partes".
Assim, a solução proposta para esse tipo de abusividade é a aplicação da faculdade que o consumidor tem de liquidar antecipadamente o débito mediante redução proporcional dos juros e demais acréscimos, conforme previsto no § 2.º do art. 52 do CDC. Se houver a imposição de fornecimento de crédito juntamente com o bem de consumo, sem espaço para argumentações - como sói acontecer nas grandes lojas -, o jeito é comprar a prazo e, na primeira oportunidade, requerer a liquidação à vista das parcelas, com redução proporcional dos juros.

terça-feira, 11 de agosto de 2009

A cobrança da taxa de serviço (10%) em estabelecimentos comerciais à luz do direito brasileiro

Problema comum e recorrente no cotidiano das pessoas ocorre no momento de pagar a conta em estabelecimentos comerciais como bares, restaurantes e hotéis. Além do preço dos produtos consumidos, muitas vezes o consumidor se vê coagido a pagar a taxa de serviço, gorjeta ou, vulgarmente falando, os dez por cento sobre o valor total da conta.
O objetivo deste artigo é demonstrar que, sob o prisma do Direito, a cobrança compulsória e coercitiva da taxa de serviço é ilegal e abusiva, seja sob a ótica do Direito Constitucional, Civil, ou do Consumidor.
Em princípio, deve-se analisar a natureza jurídica do instituto. Uma errônea interpretação do artigo 457 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) pode levar a crer que a gorjeta compõe a remuneração do trabalhador como um elemento obrigatório.
Contudo, uma exegese mais profunda permite concluir que o objetivo deste dispositivo é tão somente integrar a gorjeta ao salário para os efeitos legais. É dizer: as gorjetas eventualmente recebidas pelos funcionários devem ser levadas em conta pelo empregador quando do pagamento das demais verbas trabalhistas como férias, décimo terceiro salário, FGTS dentre outras.
Isto não quer dizer, ao contrário, que a gorjeta seja uma obrigação do patrão ou do consumidor. A definição precisa do instituto é encontrada nos artigos 538 e 540 do Código Civil Brasileiro:
Art. 538. Considera-se doação o contrato em que uma pessoa, por liberalidade, transfere do seu patrimônio bens ou vantagens para o de outra.
Art. 540. A doação feita em contemplação do merecimento do donatário não perder o caráter de liberalidade, como não o perde a doação remuneratória, ou a gravada, no excedente ao valor dos serviços remunerados ou ao encargo imposto.
Por outro lado, a Constituição Federal é clara ao dispor, em seu artigo 5º, inciso II, que "ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei".
Assim, por não existir atualmente lei federal que obrigue o consumidor a pagar gorjeta, qualquer valor pago a mais por este será mera liberalidade. Vale dizer: no momento de pagar a conta, qualquer adicional eventualmente pago pelo consumidor advirá de sua própria vontade, como mera doação por um serviço que este entendeu ter sido prestado de maneira eficiente.
Outro não é o conceito de doação remuneratória, consistente na transferência patrimonial do doador (consumidor) em favor do donatário (funcionário que o atendeu) por pura e simples vontade do primeiro, que em seu íntimo achou o serviço prestado pelo último eficiente e satisfatório.
Ainda que a doação remuneratória seja motivada por um serviço prestado, o artigo 540 do Código Civil, transcrito acima, deixa bem claro que o ato não perde seu caráter de liberalidade, não sendo relevante ao Direito a motivação da doação.
Desta maneira, em hipótese alguma a gorjeta será uma obrigação ou dívida do consumidor, ainda que expressamente prevista em cardápios ou cartazes afixados no estabelecimento.
Nesse sentido, ensina o professor Sílvio de Salvo Venosa (Direito Civil: contratos em espécie, 5 ed., São Paulo:Atlas, 2005, p. 133):
Doação remuneratória consiste naquela que se faz em recompensa a serviços prestados ao doador pelo donatário. Ainda que estes serviços possa ser estimados pecuniariamente, não se consideram prestação exigível, isto é, o donatário não se torna credor. Como essa doação é conferida em retribuição, esses serviços devem ser anteriores ao ato.
Infelizmente, a maioria das pessoas não tem consciência de que o pagamento de gorjeta é faculdade única e exclusivamente sua, sendo vedada sua cobrança coercitiva pelo estabelecimento. Viu-se acima que a gorjeta tem natureza de doação remuneratória, sendo seu pagamento opção do consumidor, conforme tenha sido bem ou mal atendido.
Do seu lado, a maioria dos estabelecimentos comerciais se aproveita da ingenuidade das pessoas e cobra coercitivamente a taxa de 10% (dez por cento) sobre o valor total da conta. Chega-se ao absurdo de, em restaurantes self-service, onde o cliente serve a sua própria refeição, ser cobrada gorjeta sobre o valor da comida.
A cobrança compulsória e coercitiva da taxa de serviço, retirando do consumidor seu livre arbítrio e expondo-o a situações vexatórias ou constrangedoras, configura crime previsto no artigo 71 do Código de Defesa do Consumidor, bem como ato ilícito passível de indenização por danos morais.
Ressalte-se ainda que não existe contrato de prestação de serviços entre os funcionários dos estabelecimentos e os consumidores para ensejar uma possível remuneração obrigatória destes àqueles.
Quem contrata o funcionário e, por óbvio, deve pagar o seu salário é o estabelecimento e não o consumidor. A relação existente entre cliente e estabelecimento é de mera compra e venda, não podendo este transferir àquele a responsabilidade pelo pagamento do salário de seus funcionários.
Fica claro, portanto, que a cobrança da gorjeta de forma obrigatória, retirando do consumidor a faculdade de decidir se o funcionário que o atendeu merece a doação, é ilícita e abusiva, sendo, conforme o caso, crime e ato ilícito passível de indenização por danos morais.

Renovação compulsória de matrícula de estudante inadimplente:

EXMA. SRA. DRA. JUÍZA DE DIREITO DA 2ª VARA ESPECIALIZADA DE DEFESA DO CONSUMIDOR DA COMARCA DE SALVADOR/BA:
INSTITUIÇÃO DE ENSINO ..........................., por seu advogado subassinado, nos autos da AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATO E DE DÉBITO COM PEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA, CUMULADA COM OBRIGAÇÃO DE FAZER E NÃO FAZER E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS, processo nº. ........................, contra si proposta por. .................................., vem,à presença de V. Exa., oferecer sua CONTESTAÇÃO consubstanciada nas razões de fato e de direito a seguir deduzidas:
O Autor ingressou em juízo com a ação em referência objetivando: a) a antecipação da tutela, liminarmente, para determinar que Ré seja compelida a realizar a matrícula do Autor e a se abster de proibir o ingresso do mesmo nas salas de aulas permitindo o acesso deste no estabelecimento de ensino para assistir a todas as aulas relativas ao 3ª semestre do curso de Comunicação Social com Habilitação em Propaganda e Publicidade; b) a decretação de nulidade das cláusulas supostamente abusivas presentes no contrato, dentre as quais, IV,§ 3º, §4º, VII, §3º, VIII, letra b, inciso I, § 1º, IX, §2º; c) revisão da relação obrigacional creditícia desde o seu início; d) revisão do débito, para a sua apuração com o expurgo da capitalização dos juros operada durante todo o período e, e) condenação da instituição de ensino Ré em indenizar o Autor por danos morais alegadamente sofridos, em valor sugerido, não inferior a R$ 20.000,00 (vinte mil reais).
Fundamenta o Autor a pretensão deduzida em Juízo, afirmando que ingressou em fevereiro de 2002, mediante prévia aprovação em concurso vestibular, no Curso de Comunicação Social com Habilitação em Propaganda e Publicidade, oferecida pela instituição de ensino Ré, com duração de 04 (quatro anos).
Alega, por fim, que tendo cursado regularmente 02 (dois) semestres do mencionado curso, referente ao período do ano de 2002, o mesmo teria sido impossibilitado de efetuar a matrícula referente ao 3º semestre do curso, por estar com algumas prestações em atraso.
Entretanto, não pode prosperar a ação proposta porquanto a pretensão deduzida em Juízo pelo Autor lastreia-se em premissas fáticas e jurídicas equivocadas, devendo, por conseguinte, serem indeferidos os pedidos formulados na exordial, conforme restará demonstrado nas razões a seguir consideradas.
Inicialmente, meste sentido, mister sejam inicialmente tecidas, embora de maneira sucinta, breves premissas acerca da matéria objeto da presente demanda de forma a melhor conduzir as razões a seguir deduzidas.
Como se sabe, permitiu a Constituição Federal de 1969 que o ensino fosse ministrado por estabelecimento particular, desde que respeitadas tão-só as disposições legais eventualmente existentes, equivalendo tal disposição à assertiva de que a Lei Maior autorizou os particulares a celebrarem com os interessados contratos de prestação de serviços, todos submetidos às normas do Código Civil, respeitadas apenas as determinações especiais que fossem baixadas pelo Poder delegante.
Por isso, a relação entre aluno e escola decorre de um contrato de prestação de serviços, que não se descaracteriza em virtude do "impacto do intervencionismo estatal".
A nova Constituição Federal ampliou aquele preceito, uma vez que, afirmando ser o ensino livre à iniciativa privada, restringiu a ingerência do Poder Público, com a observação não mais das "disposições legais", mas pelo cumprimento de normas gerais da educação nacional e submetido à autorização e avaliação de qualidade.
Tal norma não conflita com a geral sobre educação, que dispõe ser ela direito de todos e dever do Estado. Apesar do acesso à educação e permanência na escola se conceituar como direito subjetivo atribuído a todo cidadão, nada impedia ao Estado permitir que o ensino fosse também ministrado por estabelecimento particular, deixando-o livre à iniciativa privada, como de fato o permitiu, somente controlado pelo cumprimento de normas gerais da educação nacional. Isto significa, também, que não é lícito ao Estado se imiscuir no âmbito de relacionamento entre o aluno e a escola, quanto à exigência de matrícula a cada ano/semestre escolar, pagamento da taxa respectiva, condicionamento daquele ato à satisfação de débitos anteriores com a escola ou assinatura de outro contrato, desde que extinto o anterior.
Se o particular, livre e soberanamente, ajusta com o estabelecimento particular de ensino a prestação de serviços educacionais, deve se submeter às normas fixadas para estes serviços, dentre as quais a duração do contrato, do que deriva a obrigatória matrícula após cada período de permanência na escola, com o conseqüente pagamento da taxa respectiva, como estipulada e aceita desde a contratação inicial, que tem suporte em claras e impositivas normas legais e regimentais (Medida Provisória n° 1.265, de 12/1/1996, depois sucessivamente reeditada, vigente à época a de n° 1.733.
Cumpre registrar, inicialmente que, ao contrário do quanto equivocadamente alegado nas razões do Autor, a instituição de ensino, ora Ré, de forma alguma violou a legislação pertinente a matéria sub judice, notadamente, Constituição Federal de 1988, Lei de Diretrizes e Bases da Educação, de nº 9.394/96, Lei das Anuidades Escolares, de nº 9870/99 e o Código de Defesa do Consumidor, agindo sempre em obediência e harmonia com as normas vetores que disciplinam a matéria.
Saliente-se, neste sentido, que não se desincumbiu o Autor em comprovar as infundadas alegações de que a instituição de ensino Ré estaria a impor as chamadas medidas proibidas aos acadêmicos em atraso com as mensalidades escolares devidas em função dos serviços educacionais prestados, não tendo a Faculdade Ré dispensado ao Autor, ou a qualquer outro aluno em situação análoga, qualquer medida considerada como de sanção pedagógica, violando, por conseguinte, a norma processual inculpida no art. 333, I, do Código de Regências, a seguir transcrita:
Art. 333 – O ônus da prova incumbe:
I – ao autor, quanto ao fato constitutivo do seu direito.
Desta forma, não merece guarida as insubsistentes alegações do Autor quanto a possíveis sanções de ordem pedagógica perpetradas pela Ré a alunos que estariam em atraso em relação ao pagamento das mensalidades escolares ante a ausência de elementos comprobatórios para tal argumentação.
Outrossim, censurável também a inócua afirmação de que a realização da matrícula se faz apenas uma vez, logo após o candidato ter passado no concurso vestibular na medida, sendo vedado, nesta equivocada linha de argumentação, a renovação de matrícula, porquanto carente de substrato jurídico idôneo a fundamentar tal alegação.
A Lei 9870/99, que dispõe acerca das anuidades escolares e dá outras providências, reflete a legalidade e legitimidade das instituições de ensino privado na cobrança da taxa de matrícula, estabelecendo, em seu art. 1º, § 3º, o seguinte:
"o valor total, anual ou semestral, apurado na forma dos parágrafos precedentes, terá vigência por um ano e será dividido em doze ou seis parcelas mensais e iguais, facultada a apresentação de planos de pagamento alternativos, desde que não excedam ao valor total anual ou semestral apurado na fora dos parágrafos anteriores".
Percebe-se, ante a redação do dispositivo legal em tela, que a "taxa de matrícula", equivocadamente contestada pelo Autor, nada mais é que o adiantamento da primeira mensalidade do curso a ser freqüentado pelos alunos, integrando o valor da anuidade/semestralidade fixado pela instituição de ensino no início do ano letivo.
No caso em tela, a cobrança da taxa de matrícula revela-se perfeitamente cabível vez que o processamento da matrícula foi serviço efetivamente prestado, envolvendo despesas de ordem administrativa incluídas no preço total da anuidade ou semestralidade, como observado no Parecer do Conselho Federal de Educação nº 163/81, aprovado por unanimidade, em 20.2.81, pelo Plenário do Conselho Federal de Educação que, à época, tinha competência para fixar e reajustar anuidades, taxas e demais contribuições correspondentes aos serviços educacionais, por força do art. 1º do Decreto-lei nº 532/69.
Deve ser ressaltado, também, que a taxa de matrícula cobrada pelas instituições de ensino privado servem não só a devida remuneração pelos serviços prestados pela Faculdade, como acesso a bibliotecas, núcleos de prática jurídica entre outros serviços disponibilizados, bem como ao pagamento dos vencimentos do quadro docente da instituição, demais funcionários, manutenção das instalações da Faculdade, gastos estes suportados pela Ré, mesmo no período em que as aulas ainda não tiveram o seu início.
Mais absurda ainda a alegação do Autor de que a impossibilidade de pagamento das mensalidades escolares deve-se, na maioria das vezes, ao fato de a instituição de ensino Ré, em face de um quase monopólio, impõe restrições e obstáculos para tanto.
Com efeito, a afirmação de que a Ré detém quase que um monopólio de ensino no curso pretendido pelo Autor revela-se numa verdadeira tentativa de induzir em erro esse MM Juízo, manipulando-se, por conseguinte, a prestação jurisdicional perseguida, na medida em que se verifica que nesta Capital, diversas Faculdades têm a cadeira do Curso de Comunicação Social com Propaganda e Publicidade, comprovando-se, mais uma vez, a insubsistente pretensão do Autor.
Não pode prosperar, ademais, o pedido de decretação de nulidade das cláusulas supostamente abusivas presentes no contrato de prestação de serviços educacionais celebrado entre a Ré e o Autor, notadamente as cláusulas, IV, §3º; §4º; VII, §3º; VIII, letra b, inciso I, §1º, IX, §2º, na medida em que tais dispositivos contratuais coadunam-se em perfeita harmonia com a legislação pertinente a matéria.
Com efeito, o procedimento adotado pela ora Ré no sentido de exigir o adimplemento das prestações relativas às mensalidades escolares vencidas e não pagas pelo Autor para a posterior efetivação da matrícula no curso de Comunicação Social com Habilitação em Propaganda e Publicidade ministrado pela Faculdade encontra-se em perfeita consonância com o ordenamento jurídico pátrio.
Neste sentido, a legislação pertinente à matéria, qual seja, a Lei 9.870, promulgada em 23 de novembro de 1999, que dispõe sobre o valor total das anuidades escolares e dá outras providências, revela-se como manto a cobrir de perfeita legalidade a conduta equivocadamente considerada pelo Autor de ilegal.
Eis o que dispõe a norma insculpida no art. 5º da mencionada lei, in verbis:
Art. 5º Os alunos já matriculados, salvo quando inadimplentes, terão direito á renovação das matrículas, observado o calendário escolar da instituição, o regimento da escola ou cláusula contratual. (grifo nosso).
Ora, analisando-se a contrario sensu o dispositivo legal supra transcrito, avulta-se a clara constatação de que a intenção do legislador pátrio foi não só a de garantir a renovação da matrícula dos alunos já matriculados, mas também a de tutelar os interesses das instituições de ensino privadas na medida em que reconhece a impossibilidade de renovação de matrícula dos alunos inadimplentes.
Em verdade, a matéria sub ocullis sequer comporta grandes discussões na medida em que, com a promulgação da Lei supra citada, a matéria foi devidamente regulamentada, verificando-se, ainda, que a Medida Provisória de nº 1.968-1 de dezembro de 1999, consigna expressamente que o aluno inadimplente pode ser desligado do estabelecimento de ensino, entretanto, só ao final do ano letivo, ou, no ensino superior, ao final do semestre letivo, quando o regime for semestral, ressalva devida observada pela instituição de ensino Ré.
Assim, ao contrário do que maliciosamente afirma o Autor, as entidades de ensino superior privado não estão obrigadas a renovar a matrícula de alunos que se encontram em situação de inadimplência. Saliente-se, neste sentido, que a impossibilidade de matrícula do aluno inadimplente não se configura, sob nenhum prisma, como modalidade de sanção pedagógica ao aluno.
Isto porque, embora seja o ensino livre á iniciativa privada, os prestadores de serviços de serviços de educação, atendidas as limitações preconizadas pelo Poder Público, têm o direito de receber a remuneração devida, estabelecendo-se, no particular, relação tipicamente contratual, regulada pelo direito privado.
Registre-se, nesta esteira de pensamentos que, o PROCON – DF corroborando o entendimento da Agravante no sentido da legalidade que reveste o ato praticado pela Faculdade e com lastro na Lei 9.870/99, disponibilizando informações para pais e alunos, consigna o entendimento de que
Considerando a Lei 9.870 de 1999 (Lei de mensalidade escolar) artigo quinto, só terão vaga garantida os alunos que estejam em dias com os pagamentos.(www.procon.df.gov.br)
Ora, a luz da legislação aplicável à matéria em exame, verifica-se que a renovação da matrícula é legalmente condicionada à quitação de todas as parcelas referentes a mensalidades inadimplidas, revelando-se em total harmonia a legislação pertinente ao caso concreto.
Logra-se, desta forma, demonstrar a legalidade que reveste a cláusula contratual supostamente abusiva, bem como a legitimidade da Ré em exigir o adimplemento das prestações vencidas para a confirmação da matrícula acadêmica, não sendo outro o entendimento perfilhado pelos Tribunais pátrios que, reconhecem a impossibilidade e ilegitimidade do aluno inadimplente em renovar compulsoriamente a matrícula em estabelecimento particular de ensino, conforme se depreende das ementas a seguir transcritas:
MEDIDA CAUTELAR – Cautelar Inominada – Contrato – Prestação de Serviços – Ensino – Matrícula em escola particular de aluno inadimplente – Impossibilidade – Requisito da aparência do bem direito afastada diante da dívida existente – Arts. 5ª da Lei 9870/99 e 1092 do CC – Liminar revogada – Recurso Provido (Primeiro Tribunal de Alçada Civil de São Paulo, Recurso Agravo de Instrumento, Processo: 0917829-4, 1ª Câmara, Relator Silva Russo).
CONTRATO – Prestação de serviços – Ensino – Segurança concedida para se admitir rematrícula de aluna inadimplente em entidade privada de ensino superior – Descabimento – Negativa de matrcíula que, no caso de inadimplemento, foi prevista no contrato e no regimento interno da apelante, e não é meio coativo de pagamento – Encerrado o ano letivo, e feitas as provas, não é obrigado o estabelecimento de ensino a renovar a matrícula e readmitir o aluno inadimplente, pois não pode ser compelido a prestar serviços sem remuneração – Impossibilidade de se negar á impetrada seu direito à cobrança das mensalidades escolares, e ao impedimento de rematrícula ao aluno inadimplente, que não tem direito líquido e certo a proteger – Reexame necessário não conhecido, julgando-se a impetrante carecedora de ação(Tribunal de Alçada Civil de São Paulo, Apelação 0809741-8, Relator Carvalho Viana).
TUTELA ANTECIPADA - Obrigação de fazer – Ajuizamento objetivando renovação compulsória de matrícula em escola particular – Inadmissibilidade- Inexistência de obrigatoriedade da escola de renovar o contrato da aluna inadimplente – Art. 5ª, 6ª, § 1º da Lei 9.870*99 – Antecipação de tutela revogada – Recurso provido para esse fim. TUTELA ANTECIPADA - Obrigação de fazer - Ajuizamento objetivando renovação compulsória da matrícula em escola particular - Inadmissibilidade - Inexistência de obrigatoriedade da escola renovar o contrato do aluno inadimplente - Artigo 5º, 6º, § 1º da Lei nº 9870/99 - Antecipação de tutela revogada - Recurso provido para esse fim.
MEDIDA CAUTELAR - Contrato - Prestação de serviços - Ensino superior - Aluna inadimplente - Deferimento de liminar para rematrícula no ano letivo de 2003 - Inexistência de discussão judicial a respeito do débito - Contrato bilateral que deve ser observado - Hipótese em que tratando-se de entidade privada, não pode o aluno inadimplente exigir a matrícula, sem a quitação de seu débito - Recusa que não pode ser caracterizada como penalidade pedagógica, pois a Lei 9870/99, art. 6º, e § 2º, não contempla mais a obrigatoriedade de estabelecimento particular de ensino, rematricular aluno inadimplente - Liminar cassada - Recurso provido para esse fim.(Primeiro Tribunal de Alçada Civil de São Paulo, Agravo de Instrumento, Processo nº 1170539-0, 12ª Câmara, Rel. Sousa Oliveira)
Por conseguinte, as cláusulas IV, §3º; §4º; VII, §3º; VIII, letra b, inciso I, §1º revelam-se em prefeita consonância com a legislação pertinente a matéria sub judice, notadamente a Constituição Federal de 1988, Lei de Diretrizes e Bases da Educação, de nº 9.394/96, Lei das Anuidades Escolares, de nº 9870/99 e o Código de Defesa do Consumidor.
No que concerne à cláusula IX, §2º, deve ser ressaltada, a plena validade e eficácia da referida cláusula, porquanto foi fruto de compromisso de ajustamento de conduta firmado entre a Requerida e o PROCON, que sugeriu a adoção de tal cláusula contratual, conforme comprova o documento em anexo.
Saliente-se, ainda, a legalidade da cláusula contratual em comento, nas palavras da eminente relatora do Parecer alhures mencionado, Conselheira Maria Antônia Amazonas Mac Dowell que, reportando-se ao Parecer nº 7.210/78 do Conselho Federal de Educação, o qual determina que, em casos de cancelamento de matrícula antes do início do ano letivo, "o estabelecimento devolva 80% da quantia paga e retenha os 20% para ressarcir-se do prejuízo causado"- patamar, saliente-se, mais elevado do quanto disposto no contrato de prestação de serviços educacionais firmado entre as partes.
Reiterando o parecer supramencionado, a ilustre conselheira conclui que se impõe a proibição de cláusulas contratuais de renúncia à restituição em caso de desistência da matrícula, pela ilegalidade de que se revestem, observando que devem ser estabelecidos critérios para que sejam evitados prejuízos a terceiros - a instituição de ensino e os alunos que integram a lista de espera -, quais sejam: a) a fixação do prazo para a formalização da desistência, que deve ser feita antes do início do período letivo e b) "o cabimento da retenção de algum pagamento, de vez que o processamento da matrícula foi serviço efetivamente prestado, envolvendo despesas de ordem administrativa.
Com relação ao pedido de prestação jurisdicional objetivando a revisão da relação obrigacional creditícia, desde o seu início, com a conseqüente revisão da válida cláusula contratual que a disciplina, estabelecendo-se como patamar máximo o equivalente a 1% (um por cento) ao mês, este, também, não atende a qualquer amparo jurisdicional na medida em que, a cláusula VII, que dispõe acerca dos atrasos no pagamento das mensalidades escolares, estipula, outrossim, a devida atualização monetária dos valores, a título de preservar o poder aquisitivo da moeda, bem como a cobrança de juros de mora de 1% (um por cento) ao mês – valor pleiteado pelo Autor -, tudo em conformidade com o Decreto nº 22.626/33.
Por derradeiro, melhor sorte não encontra o pedido de condenação em danos morais, na quantia mínima sugerida de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), carecendo de fundamento hábil a embasar tal pretensão, na medida em que não se verifica, no caso concreto, a responsabilidade da Ré em face dos danos supostamente sofridos, senão vejamos.
Com efeito, o art. 927 do novo Código Civil, que disciplina a responsabilidade civil, assim dispõe:
Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
E, como é cediço, para a configuração da responsabilidade civil, exige-se a concorrência dos seguintes elementos, a saber: a prática de um ato ilícito, a ocorrência de um dano e a existência de nexo de causalidade entre o ato ilícito perpetrado pelo agente e a imposição de prejuízo à vítima.
Assim doutrina o eminente Caio Mário da Silva Pereira, cumprindo salientar que, a despeito da referência doutrinária ao Código Civil de 1916, o ensinamento aplica-se in totum à nova legislação em vigor:
Em princípio a responsabilidade civil pode ser definida como fez o nosso legislador de 1916: a obrigação de reparar o dano imposta a todo aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito ou causar prejuízo a outrem (Código Civil, art. 159). Deste conceito extraem-se os requisitos essenciais: a) em primeiro lugar, a verificação de uma conduta antijurídica, que abrange comportamento contrário ao direito, por comissão ou por omissão, sem necessidade de indagar se houve ou não propósito de malfazer; b) em segundo lugar, a existência de um dano, tomada a expressão no sentido de lesão a um bem jurídico, seja este de ordem material ou imaterial, de natureza patrimonial ou não-patrimonial; c) em terceiro lugar, o estabelecimento de um nexo de causalidade entre uma e outro, de forma a precisar-se que o dano decorre da conduta antijurídica, ou, em termos negativos, que sem a verificação do comportamento contrário a direito não teria havido o atentado ao bem jurídico (Instituições de direito civil. Rio, Forense, 1993, 14ª ed., p. 457).
Na hipótese sub judice, todavia, nenhum dos elementos configuradores da responsabilidade civil restou comprovada pelo Autor, ao contrário, avultando-se, no caso concreto, a instituição de ensino Ré agiu em plena conformidade com o ordenamento jurídico pátrio, razão pela qual não pode prosperar o pleito indenizatório.
Por outro lado, para caracterização do dano de ordem moral, é preciso que sejam comprovados os prejuízos efetivamente sofridos pela vítima, do que não se desincumbiu o Autor, tudo a conduzir à improcedência do pedido formulado.
Nesse particular, verifica-se que o Autor vale-se apenas de meras alegações e suposições, sem demonstrar efetivamente a ocorrência do dano, que, por revelar-se apenas hipotético, não justifica reparação. A esse respeito observa-se o ensinamento do ilustre Prof. Aguiar Dias [01]:
O que o prejudicado deve provar, na ação, é o dano, sem consideração ao seu quantum, que é a matéria de liquidação.
Não basta, todavia, que o autor mostre que o fato de que se queixa, na ação, seja capaz de produzir dano, seja de natureza prejudicial. É preciso que prove o dano concreto, assim entendida a realidade do dano que experimentou, relegando para a liquidação a avaliação do seu montante.
No caso concreto, pela própria analise dos fatos alegados pelo Autor, verifica-se que esse não trouxe aos autos nenhuma prova, nem sequer indícios que provem o quanto alega – prejuízo.
Logo, revela-se absurda a pretensão indenizatória deduzida em juízo, haja vista a ausência de comprovação de prejuízos aferíveis economicamente, como se depreende do seguinte julgado proferido pelo Tribunal de Justiça de Santa Catharina, in verbis:
A jurisprudência é pacifica no entendimento de que não se pode falar em indenização quando o autor não comprova a existência do dano (TSJC- 2ª C.- Ap. – Rel. Wilson Antunes – j. 4.5.82 – RT 568/167).
A respeito do nexo de causalidade, eis o ensinamento de Rui Stoco [02]:
Na etiologia da responsabilidade civil, estão presentes três elementos, ditos essenciais na doutrina subjetivista: a ofensa a uma norma preexistente ou erro de conduta; um dano; e o nexo de causalidade entre uma e outro.
Não basta que o agente haja procedido contra jus, isto é, não se define a responsabilidade pelo fato de cometer um "erro de conduta". Não basta que a vítima sofra um dano, que é o elemento objetivo do dever de indenizar, pois se não houver um prejuízo a conduta antijurídica não gera obrigação de indenizar.
É necessário que se estabeleça uma relação de causalidade entre a injuridicidade da ação e o mal causado, ou na feliz expressão de Demogue, "é preciso esteja certo que, sem este fato, o dano não teria acontecido. Assim, não basta que uma pessoa tenha contravindo a certas regras; é preciso que sem esta contravenção, o dano não ocorreria" (Traité des Obligations en général, vol. IV, n. 66).
O nexo causal se torna indispensável, sendo fundamental que o dano tenha sido causado pela culpa do sujeito.
Dessa forma, não restando evidente o nexo causal entre a conduta antijurídica do agente e o efetivo prejuízo da vítima, não há que se falar em responsabilidade civil e dever de indenizar, sendo despiciendo dizer que "A prova do nexo de causalidade é do autor" (TJRJ – 8ª C. – Ap. – Rel. Dourado de Gusmão – j. 22.3.83 – RT 573/202).
Nesse contexto, não tendo o Autor se desincumbido de comprovar a existência e a concorrência dos elementos configuradores da responsabilidade civil (ato ilícito, dano e nexo causal), ônus esse que lhe compete, nos termos da regra insculpida no art. 333, I, do CPC, há de ser repelida a sua pretensão indenizatória, com o indeferimento do pedido formulado na presente ação.
Nunca é por demais relembrar que a indenização pela ocorrência de dano não pode ser encarada como prêmio, já que o seu objetivo é a reparação de dano para compensar na exata proporção o prejuízo sofrido, quando se trata de dano patrimonial; ou para oferecer ao ofendido uma satisfação compensatória, na ocorrência do dano moral.
Nesse particular, observe-se o magistério do ilustre civilista Caio Mario da Silva Pereira [03]:
... a indenização, em termos gerais, não pode ter o objetivo de provocar o enriquecimento ou proporcionar ao ofendido um avantajamento; por mais forte razão deve ser eqüitativa a reparação do dano moral para que se não converta o sofrimento em móvel de captação de lucro (de lucro capiendo).
Na mesma linha, ensina Cláudio Armando Couce de Menezes [04]:
A indenização por dano moral não pode se prestar a uma "indústria" de responsabilidade civil, como lamentavelmente ocorre nos E.U.A., substituindo os prêmios, loterias e baús da felicidade que campeiam em nosso País.
Resta evidenciado, por conseguinte, que o valor indenizatório pretendido pelo Autor é exorbitante e foge dos padrões de eqüidade e moderação, exigíveis em casos da espécie.
Nestes termos,
pede deferimento.
Salvador, 30 de abril de 2004.

quinta-feira, 6 de agosto de 2009

Assédio Moral.

1. INTRODUÇÃO.
O atual cenário econômico mundial de globalização e flexibilização das relações de trabalho, consagrador da competitividade desmedida e da intensa produtividade a baixo custo, revela-se o ambiente propício para que no âmbito interno das organizações de trabalho se proliferem patologias sociais, como o assédio moral.
É induvidoso que estes elementos da pós-modernidade contribuem para a elevação do grau de impessoalidade e distanciamento entre as pessoas dentro da empresa, propiciando a prática de atitudes hostis do empregador e a coisificação do empregado, que de ser humano dotado de direitos passa a ser compreendido como um objeto descartável na estrutura empresarial.
Entretanto, mesmo o assédio moral sendo tão antigo quanto o próprio trabalho, somente nas últimas décadas este risco invisível começou a despertar o interesse da sociedade que, através da divulgação de estudos e pesquisas, passou a se conscientizar da freqüente ocorrência do fenômeno e da gravidade das conseqüências da violência psicológica à saúde do trabalhador, abalando sua existência, corroendo a auto-estima, acarretando doenças ou agravando as pré-existentes e levando muitos ao cometimento do suicídio.
O assédio moral, consistente na exposição dos trabalhadores a situações humilhantes e constrangedoras, repetitivas e duradouras durante a jornada laboral, atenta contra a integridade psíquica ou física de uma pessoa, ameaçando seu emprego ou degradando o clima de trabalho (Hirigoyen, 2002 e Barreto, 2000).
Esta prática, que visa desestabilizar emocionalmente a vítima afastando-a do trabalho, apesar de afrontar o maior princípio constitucional de nossa ordem jurídica, a dignidade da pessoa humana, não possui tratamento legal específico, não sendo sequer tipificado como crime pela legislação penal brasileira.
Exemplo do substancial aumento de casos de assédio moral no ambiente laboral é o elevado número de demandas ajuizadas perante a Justiça do Trabalho, visando, geralmente, indenizações por danos morais à integridade psíquica e física da vítima, de forma a que quase todos os vinte e quatro Tribunais Regionais do Trabalho existentes no país já examinaram este tema em sede de recurso.
Urge, então, que a passividade coletiva e a resignação silenciosa cedam lugar a uma postura ativa da sociedade que, juntamente com o Estado e as organizações sindicais, dispensem maior atenção ao problema e envidem esforços na busca de medidas eficazes de prevenção e repressão a esta devastadora patologia social.
2. ASSÉDIO MORAL: PROBLEMA ANTIGO, INTERESSE RECENTE.
Poder-se-ia imaginar que a problemática do assédio moral é um fenômeno recente na sociedade e que somente agora, ante o seu propalado surgimento, é que doutrinadores e pesquisadores empreenderam esforços para estudá-lo. Ledo engano de quem assim raciona, conforme passaremos a elucidar.
Analisando-se o passado histórico do nosso país, desaguamos no período da escravidão, época em que os maus tratos, atrocidades e abusos eram infligidos ao ser humano com o fim de atingir uma maior produção agrícola. Neste período, não raras eram as perseguições, os castigos, as humilhações e a morte dos que resistiam ou não se adequavam a esse modelo produtivo.
Com o término da escravidão e, por conseguinte, com a substituição da mão de obra escrava pela dos imigrantes, não houve substancial mudança do antigo modelo existente, pois persistiram os relatos de maus tratos, privações, humilhações e até de assédio sexual.
Prosseguindo nesta análise histórico-evolutiva, chegamos à fase da industrialização que significou um inegável avanço tecnológico para a época, onde a ferramenta manual foi substituída pelas máquinas. Pode-se afirmar, na esteira do lecionado por Delgado (2005), que no período da Revolução Industrial o trabalhador se reconectou ao sistema produtivo através de uma relação de produção inovadora, que buscou combinar a liberdade com a subordinação, não havendo, contudo, significativo progresso no que tange aos direitos do trabalhador, persistindo nesta fase a precariedade nas relações de trabalho sem o reconhecimento de direitos basilares, submissão dos obreiros a jornadas extenuantes, salários ínfimos, ausência de assistência médica, condições de higiene degradantes e utilização da força de trabalho do menor.
Através deste simplório escorço histórico se percebe que as organizações atuais, a despeito do acentuado estágio de desenvolvimento tecnológico em que se encontram, continuam incorrendo em erros do passado, tolerando maus tratos e humilhações à parte mais vulnerável da relação de trabalho, sendo exatamente pela falta de habilidade para se lidar com o poder e pela resistência em se vislumbrar o ser humano como um sujeito detentor não apenas de deveres, mas também de direitos é que surgem, cada vez mais, atos de hostilidade e violência moral/psíquica no universo laboral.
Por todas estas razões é que costumeiramente se afirma que o assédio no trabalho é quase tão antigo quanto o próprio trabalho. Entretanto, apenas na última década é que os pesquisadores e estudiosos voltaram seus olhos para este fenômeno, identificando-o e reconhecendo a sua potencialidade lesiva no meio ambiente laboral, em virtude dos acentuados desgastes psicológicos que provoca.
E o que seria o assédio moral?
3. NOÇÕES GERAIS SOBRE O ASSÉDIO MORAL NO AMBIENTE DO TRABALHO.
3.1. Contexto sociolaboral de surgimento e desenvolvimento.
Como é cediço, a Carta Magna de 1988 conferiu especial importância ao meio ambiente do trabalho, estatuindo em diversos preceitos, a exemplo do artigo 7º, inciso XXII, artigo 39, §3º, artigo 200, inciso VIII, artigo 170, inciso VI e artigo 225, caput, que é dever de todos preservar a sanidade ambiental, garantindo-se condições propícias de higiene e segurança e, em relação ao empregador, adotar medidas a fim de reduzir os riscos inerentes ao trabalho.
O trabalho na nova ordem constitucional foi erigido à condição de fundamento da República Federativa do Brasil, revelando-se como fonte de dignidade e meio de promoção da justiça social e do bem-estar.
Partindo-se da premissa de que o direito ao trabalho é um direito fundamental, consectário lógico desta afirmativa é entender que o local no qual o mesmo é desenvolvido deva também se revestir desta fundamentalidade. Logo, é imperioso enxergar o direito ao meio ambiente de trabalho equilibrado como um direito de todos, como um bem essencial à sadia qualidade de vida.
Provavelmente uma das tarefas mais difíceis da humanidade é a tentativa de equilibrar o desenvolvimento econômico de uma comunidade com a mantença de um ambiente de trabalho sadio, de conciliar as vantagens econômicas com a não degradação das condições de trabalho, isto é, propiciar o denominado crescimento econômico sustentável sem gravames excessivos ao meio ambiente, aqui inserido, obviamente, o meio ambiente laboral.
No contexto econômico atual sobreleva a dificuldade desta tarefa, haja vista a crise vivenciada pelo mercado de trabalho, originada do culto ao individualismo, da busca desenfreada pelo lucro, do exacerbamento da competitividade, da prevalência da lei da selva a todo o custo e da procura incessante pela máxima produtividade com o mínimo de dispêndio possível, predominando a razão econômica em detrimento de qualquer outra (seja política ou social).
É induvidoso, portanto, que todos esses fatores aliados contribuem para a elevação de um grau de impessoalidade e distanciamento entre as pessoas dentro da empresa, propiciando a prática de atitudes hostis do empregador e a coisificação do trabalhador, que de ser humano dotado de direitos passa a ser compreendido como um objeto descartável na estrutura empresarial.
Fácil perceber que a saúde do ambiente de trabalho encontra-se diretamente relacionada à forma como é exercido o poder diretivo do empregador. Os novos métodos de estratégia empresarial, decorrentes de um modelo produtivo prestigiador da dominação e da competitividade desumana, fazem emergir uma gestão por estresse, na qual o empregador se utiliza do fantasma do desemprego como instrumento de pressão, premia a ambição e transforma colegas de trabalho em verdadeiros concorrentes.
Resta cristalino, então, que este cenário econômico mundial de extrema competitividade e intensa produtividade a baixo custo, influencia para que no âmbito interno das empresas prepondere um ambiente hostil de liderança, marcado pela insensibilidade de dirigentes muito mais preocupados com o atingimento de metas e resultados do que com o bem estar e a dignidade humana do trabalhador.
Em contraposição a este cenário externo desfavorável, urge que no âmbito interno da empresa o poder diretivo seja exercido dentro dos limites da razoabilidade, a fim de proteger o trabalhador das conseqüências nefastas deste modelo de capitalismo selvagem vigente. Do contrário, em sendo o poder diretivo desvirtuado e utilizado de forma abusiva, fulmina-se com qualquer espírito de cooperação e solidariedade acaso existente entre os obreiros e faz-se do ambiente de trabalho um terreno fértil para o surgimento de relações perversas como o assédio moral, fenômeno que se não combatido, pode levar à debilidade da saúde de inúmeros trabalhadores em todo o mundo.
3.2 Conceito.
O assédio moral pode ser definido como o conjunto de atos, gestos, atitudes e comportamentos que, por sua repetição, atentam contra a dignidade ou integridade psíquica ou física de uma pessoa, ameaçando seu emprego ou degradando o clima de trabalho (Hirigoyen, 2002).
Merecedora de aplausos é também a definição exposta pela médica do trabalho Barreto (2000, p.22), que entendeu o assédio moral como a "exposição prolongada e repetitiva a condições de trabalho que, deliberadamente, vão sendo degradadas. Surge e se propaga em relações hierárquicas assimétricas, desumanas e sem ética, marcada pelo abuso de poder e manipulações perversas".
Como elucidativamente leciona a jurista baiana Guedes (2005), estamos tratando daquelas atitudes humilhantes, repetidas, aparentemente despropositadas, insignificantes, sem sentido, mas que ocorrem com uma freqüência predeterminada, que vão desde o olhar carregado de ódio, o desprezo e a indiferença, passam pelo desprestígio profissional, por descomposturas desarrazoadas e injustas, tratamento vexatório, gestos obscenos, palavras indecorosas, culminando com o isolamento e daí descambando para a fase do terror total, com a destruição psíquica, emocional e existencial da vítima.
Pelos conceitos acima colacionados, facilmente se infere que alguns aspectos afiguram-se essenciais para a caracterização do fenômeno: a regularidade dos ataques e a intenção de desestabilizar emocionalmente a vítima, afastando-a do trabalho. Imprescindível, portanto, que exista uma conotação persecutória nos atos praticados, caracterizada pela repetição sistemática da violência durante considerável lapso de tempo, aliada à finalidade inabalável de destruir psicologicamente a vítima até sua completa eliminação do ambiente de trabalho.
As primeiras manifestações do mobbing são quase imperceptíveis e somente com a reiteração das práticas vexatórias é que o fenômeno se identifica e incorpora. Com a permanência e a intencionalidade dos ataques, a vítima se desestabiliza emocionalmente e fica fragilizada, sofrendo efeitos perniciosos em sua saúde física e psíquica.
O assédio moral não pode ser confundido com o simples estado biológico de estresse ou com agressões pontuais, nas quais não se vislumbra a intencionalidade, a repetitividade e o intuito persecutório necessários. Esta patologia da solidão vai além, fere a dignidade da pessoa humana e gera conseqüências devastadoras que comprometem a identidade e as relações afetivas e sociais do trabalhador podendo levá-lo, inclusive, a cometer o suicídio.
A violência psicológica nas organizações de trabalho geralmente emerge como produto da inveja, rivalidade e ciúme sentidos pelo perverso que, bizarramente, se satisfaz ao isolar, ignorar, inferiorizar e destruir a individualidade e a auto-estima da vítima. Tal demonstração de poder torna-se ainda mais prazerosa para o perverso se praticada perante os colegas de trabalho do assediado, pois estes ao invés de se sensibilizarem, tornam-se meros espectadores, mantendo-se alheios ao sofrimento da vítima.
Instaura-se, então, um verdadeiro pacto de silêncio e de tolerância no ambiente laboral, onde os colegas de trabalho da vítima, seja por medo do desemprego, de serem também humilhados ou por estímulo à competitividade, se quedam inertes e rompem os laços afetivos com ela existentes, contribuindo, sobremaneira, para o sucesso da manipulação perversa empreendida pelo agressor.
3.3 Classificação.
O assédio moral pode ser classificado em duas modalidades: o vertical e o horizontal. O mobbing vertical, por sua vez, pode se subdividir em ascendente e descendente.
O assédio moral vertical ascendente é o de mais rara ocorrência, e se verifica naqueles casos em que os subordinados se insurgem e perversamente investem ataques contra o superior, retirando-lhe a autoridade e forçando-o à demissão, geralmente emergindo quando o empregador escolhe para ocupar o cargo de chefia um empregado jovem e inexperiente que, ao demonstrar o mínimo de insegurança no exercício de suas atividades, se torna presa fácil nas mãos de subalternos perversos e invejosos.
Os subordinados procuram, então, retirar a autoridade de seu chefe, primeiro resistindo e descumprindo ordens por ele exaradas e depois debochando de algumas atitudes adotadas. Os ataques tornam-se intensos e o superior começa a duvidar da própria competência e da capacidade de liderar pessoas, tendo reduzida, assim, a sua auto-estima.
Ante a insubordinação instalada, o chefe se anula no meio ambiente de trabalho e opta por não comunicar o ocorrido ao empregador, pois teme que a exposição de suas fraquezas implique na perda do seu cargo. Desta forma, desrespeitado e sem conseguir impor a sua autoridade, o superior hierárquico se isola, não sendo raros os casos de afastamento para tratamento psicológico, pedido de demissão e até de suicídio.
A outra modalidade de assédio vertical é o descendente, isto é, aquela forma de assédio onde a violência é cometida de cima para baixo, fundando-se em questões de hierarquia. O mobbing vertical descendente é o tipo que se verifica com mais freqüência no dia a dia, sendo perpetrado pelo superior hierárquico ou pelo próprio empregador, sócio ou dono da empresa.
Esta forma de violência geralmente está atrelada a relações de trabalho autoritárias, nas quais predomina o desrespeito e o rigor excessivo do chefe. Nestes casos, transparece o desvirtuamento do poder diretivo do empregador, que receoso de perder o controle ou pela necessidade que possui de rebaixar os outros para se engrandecer, abusa do seu direito de fiscalizar e punir os empregados, desestruturando o ambiente de trabalho.
O superior hierárquico geralmente valendo-se do seu status dentro da organização empresarial e visando eliminar o empregado da empresa, submete-o a tratamentos constrangedores e humilhantes, isolando-o do grupo e esvaziando suas atribuições a fim de deixá-lo no ócio.
Assim, ainda que aviltado em sua dignidade humana, o empregado, por temer perder o emprego, se sujeita aos ataques sofridos, dando continuidade a essa relação doentia de trabalho até ter sua auto-estima completamente aniquilada pelo perverso.
Por fim, existe outro tipo de assédio moral, o horizontal, praticado por colegas de trabalho de mesmo patamar hierárquico que a vítima. Os motivos ensejadores desta violência moral, via de regra, são o excesso de individualismo, a inveja e a competitividade, embora o preconceito racial, a xenofobia e a opção sexual também sejam apontados como causas imediatas desse tipo de perversão.
Saliento, outrossim, que como nos demais casos de assédio, também no mobbing horizontal o empregador poderá ser judicialmente responsabilizado pelos danos ocasionados à vítima, a uma porque era dever seu, imposto pela Constituição e legislação infraconstitucional, garantir um meio ambiente de trabalho sadio ao empregado, a duas porque a legislação cível, mais especificamente no inciso III, do artigo 932, do Código Civil, estabelece ser o empregador responsável, objetivamente, pelos atos de seus empregados, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele.
3.4 Técnicas utilizadas pelo agressor.
Após escolher sua vítima, o agressor dá início aos ataques, isolando-a no ambiente profissional e utilizando-se de diversas estratégias a fim de imobilizá-la e fragilizá-la. Dentre as inúmeras condutas de que se vale o assediador, uma das mais comuns consiste em impedir a vítima de se expressar, seja porque não é chamada a opinar sobre nenhum assunto da empresa, seja porque ao começar a expor suas idéias é bruscamente interrompida antes de conseguir concluí-las. Esta recusa à comunicação faz com que a vítima passe a apoucar-se e a sentir-se uma peça dispensável no ambiente de trabalho, cujas idéias e opiniões não possuem qualquer expressão, ou relevância.
Outra conduta bastante utilizada pelo agressor é a de ridicularizar e culpabilizar a vítima perante seus colegas de trabalho, desqualificando-a publicamente e fazendo comentários maldosos acerca de sua incapacidade, levando-a, pouco a pouco, a desacreditar de si mesma.
Sempre visando abalar a auto-confiança da vítima, o perverso busca constrangê-la, exercendo uma vigilância exagerada sobre suas atividades, conferindo-lhe tarefas inúteis ou exigindo metas que sabe impossíveis de serem atingidas. Não raro, opta o perverso pela inação compulsória, isto é, deixa de repassar serviços ao trabalhador, para que o mesmo, pela ociosidade vivida diariamente, sinta-se inútil à organização empresarial.
Neste momento, o agressor já isolou a vítima do grupo, deixando-a de "quarentena", e ela, arrebatada pelo sentimento da solidão, sente-se ignorada, descontente, incompreendida e diferente dos seus pares. Essa verdadeira perseguição instaurada desestabiliza o emocional da vítima e faz com que, paulatinamente, se desencante e perca o interesse pelo trabalho.
A vítima fica, então, completamente fragilizada e com a auto-estima destruída, tendo seu estado de saúde agravado e, em inúmeros casos, recorrendo ao uso de drogas e álcool, conseguindo o agressor, finalmente, atingir seu intento de eliminá-la do meio ambiente de trabalho, seja através de um pedido de demissão forçado, seja despedindo-a por justa causa, ou, nos casos mais extremos, em virtude do seu suicídio.
As estratégias e condutas, como visto, são das mais diversas começando pelo isolamento e incomunicabilidade da vítima, passando à proibição de conversar com colegas, exclusão das atividades sociais da empresa, transmissão de informações erradas ou sonegação das mesmas, designação de tarefas sem importância, imposição de prendas que exponham o empregado ao ridículo, responsabilização por erros de outra pessoa, comentários maliciosos e desrespeitosos, referências maldosas sobre aspectos físicos, crenças, conduta e família, divulgação de rumores sobre a vida privada, mudança de mobiliário sem prévia comunicação, colocação de outro trabalhador controlando o outro, fora da estrutura hierárquica da empresa, violação de correspondência, rebaixamento injustificado de função, limitação do tempo ou do número de idas da vítima ao banheiro, dentre outras.
Apesar de distintas, inegável que em todas as condutas e estratégias empreendidas o fim não discrepa, pois através delas visa sempre o agressor desestabilizar psicologicamente a vítima, destruir sua auto-estima e manipular a sua dignidade profissional.
4. CONSEQÜÊNCIAS DO MOBBING PARA A VÍTIMA, ORGANIZAÇÃO EMPRESARIAL E SOCIEDADE.
A violência psicológica cometida em relação ao empregado seja por um superior, subordinado, ou colega de trabalho de igual hierarquia, acarreta graves conseqüências não apenas à vítima, mas também à empresa e à sociedade.
Os sucessivos ataques dirigidos à vítima ensejam distúrbios psicossomáticos e psicológicos, sendo de mais comum ocorrência a cefaléia, transtornos digestivos e cardiovasculares, insônia, fadiga, irritabilidade, ansiedade, burnout (estresse por acúmulo de trabalho), crises de choro, sentimento de inutilidade e fracasso, dificuldade de concentração, obsessões, fobias, crises de auto-estima, depressão, angústia, sentimento de culpa, aumento de peso ou emagrecimento exagerado, redução da libido, aumento da pressão arterial, abuso de álcool, tabaco e outras drogas e pensamentos suicidas.
Não bastassem os resultados nefastos que o mobbing provoca nas vítimas, também as empresas sentem as conseqüências dessas situações de violência moral cometidas no ambiente profissional, que envolvem o absenteísmo (ausência ao trabalho), queda da produtividade e da competitividade, rotatividade de mão-de-obra pela saída do assediado do emprego, gastos com a qualificação do novo contratado, diminuição da qualidade dos produtos e serviços, deterioração da imagem da empresa e despesas com o pagamento de indenizações decorrentes de processos judiciais por assédio moral.
Outrossim, é inegável que o psicoterror aumenta os riscos de acidente de trabalho, pois em razão dos constantes ataques sofridos, a vítima fica desatenta e com dificuldade de concentração, incumbindo à empresa, em caso de infortúnio, arcar com os prejuízos decorrentes do evento e com os primeiros quinze dias de afastamento do empregado. Notório, portanto, que o assédio moral nenhuma vantagem traz a qualquer das partes, representando, sob o ponto de vista do empregador, uma queda em sua lucratividade.
Não se olvide, ainda, que a violência moral no trabalho projeta efeitos negativos sobre a sociedade, podendo-se sob este prisma mencionar como conseqüências do assédio "a precarização das condições de qualidade de vida, crises de relações familiares e comunitárias, custos sociais por enfermidade, aumento do mal-estar, riscos de suicídio, de aborto e divórcios, além do desemprego" (FERREIRA, 2007, p.48/49).
Assim, também o Estado sofre os efeitos perversos do assédio moral, arcando com elevados custos no que tange à saúde pública, à assistência e à previdência social, prestando serviços de reabilitação profissional e concedendo benefícios previdenciários em razão do afastamento precoce dos empregados/segurados.
5. TRATAMENTO LEGAL CONFERIDO AO ASSÉDIO MORAL NO BRASIL.
Como antes afirmado, o termo assédio moral surgiu no Brasil, pela primeira vez, no texto do Projeto de Lei nº 425/1999 apresentado à Câmara Municipal de São Paulo, que versava sobre a aplicação de penalidades à prática desse comportamento no âmbito da administração direta municipal.
Apesar do pioneirismo deste projeto de lei, elaborado em 1999, o mesmo somente foi convertido em lei municipal (Lei 13.288) em 2002, e, neste intervalo de tempo, enquanto se aguardava a aprovação pela Câmara do Município de São Paulo, foi publicada, pelo município de Iracemápolis, a primeira lei municipal brasileira sobre assédio moral, a Lei nº 1.163/2000, com aplicação restrita aos servidores públicos dessa Edilidade e dispondo sobre o tema nos seguintes termos:
Artigo 1º - Ficam os servidores públicos municipais sujeitos às seguintes penalidades administrativas na prática de assédio moral, nas dependências do local de trabalho:
(...)
Parágrafo Único - Para fins do disposto nesta Lei, considera-se assédio moral todo tipo de ação, gesto ou palavra que atinja, pela repetição, a auto-estima e a segurança de um individuo, fazendo-o duvidar de si e de sua competência, implicando em dano ao ambiente de trabalho, à evolução da carreira profissional ou à estabilidade do vínculo empregatício do funcionário, tais como: marcar tarefas com prazos impossíveis, passar alguém de uma área de responsabilidade para funções triviais; tomar crédito de idéias de outros; ignorar ou excluir um funcionário só se dirigindo a ele através de terceiros; sonegar informações de forma insistente; espalhar rumores maliciosos; criticar com persistência; subestimar esforços . grifei
Após a louvável iniciativa do município de Iracemápolis-SP, diversos outros trilharam o mesmo rumo editando leis próprias que combatessem a prática do assédio moral no âmbito da administração municipal, a exemplo de Cascavel – PR (Lei nº 3.243/01), Guarulhos – SP (Lei nº 358/01), Sidrolândia – MS (Lei nº 1.078/01), Jaboticabal - SP (Lei nº 2.982/01), São Paulo – SP (Lei nº 13.288/02), Natal – RN (Lei nº 189/02), Americana – SP (Lei nº 3.671/02), Campinas – SP (Lei nº 11.409/02) e São Gabriel do Oeste – MS (Lei nº 511/03).
Fácil concluir, então, que os poderes legislativos de diversos municípios, por todo o país, se empenharam em aprovar leis de combate ao assédio moral, conceituando o fenômeno e impondo penalidades aos servidores que nele incorressem. No âmbito estadual, entretanto, a produção legislativa não se revelou tão intensa quanto se fazia necessário, figurando o Estado do Rio de Janeiro como o pioneiro na edição de lei contra o psicoterror, a Lei nº 3.921, de 23 de agosto de 2002, vedando esta prática no âmbito dos órgãos, repartições ou entidades estatais.
A despeito de existir alguma proteção legislativa municipal e estadual às vítimas de assédio moral, ainda que limitada aos servidores públicos, não podemos deixar de lamentar a ausência de legislação em vigor no âmbito federal que discipline este tema, sendo vários os projetos em trâmite perante o Congresso Nacional que abordam o tema do assédio moral, inclusive tipificando-o como crime, a exemplo dos Projetos de Lei nº 4.742/2001 e nº 5.971/2001, no entanto, todos se encontram pendentes de apreciação e aprovação.
É de se registrar, ainda, que a Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, datada de 1º maio de 1943, também não possui nenhum dispositivo em seu bojo que contemple de forma direta e específica o assédio moral no âmbito laboral, ficando o empregado, portanto, carente de proteção legal.
Após os argumentos tecidos, pode-se indagar: se inexiste no âmbito federal diretiva específica para o combate à ocorrência do assédio moral, como se concretizará a proteção do empregado? Ante a insuficiência legislativa, resta claro que não pode a vítima do assédio psicológico ficar à míngua de proteção, sendo imperiosa, então, a invocação de princípios constitucionais protetivos de aplicação imediata ao caso concreto.
5.1 Recurso aos princípios constitucionais e à teoria da eficácia horizontal dos direitos fundamentais.
Como explanado no tópico anterior, a legislação acerca do assédio moral revela-se insipiente, clamando, portanto, a invocação de princípios constitucionais basilares, a fim de impedir e fazer cessar as violações à intimidade e dignidade do trabalhador assediado.
É de clareza solar que os atos de perseguição e humilhação praticados pelo perverso, que minam a auto-estima da vítima e visam destruí-la, afrontam, diretamente, o princípio constitucional da dignidade humana, estampado no artigo 1º, inciso III, da Constituição Federal. Este princípio constitucional, ao ser erigido à condição de fundamento da República Federativa do Brasil, demonstra o intento do constituinte em conferir à pessoa humana posição de destaque no sistema jurídico, figurando como fundamento e fim da sociedade e do Estado.
Neste contexto de análise da primazia do princípio da dignidade da pessoa humana, emergem questionamentos acerca dos destinatários deste preceito, isto é, se a observância de tais normas são obrigatórias tão somente em relação ao Estado, ou se também vincula os particulares.
Durante longo período reinou a interpretação de que os direitos fundamentais possuíam eficácia apenas vertical, ou seja, somente eram oponíveis aos poderes públicos, não tendo aplicabilidade e eficácia entre particulares, por vigorar entre estes o princípio da autonomia privada.
Em contraposição à corrente até então adotada, exsurge, através da doutrina alemã, a teoria da eficácia imediata ou direta dos direitos fundamentais, também denominada teoria da "Drittwirkung", que reconhece a ampla oponibilidade dos direitos fundamentais nas relações privadas, eis que não apenas o Estado é capaz de violá-los.
A doutrina majoritária, atualmente, se inclina a favor desta última teoria, pois não há como se conferir prevalência ao princípio da autonomia privada se este se funda na inverídica premissa de "igualdade entre as partes". Esta igualdade, na prática, revela-se meramente formal e, no dizer de Guedes (2005, p.125), "vem se esboroando diante da perversa realidade do agigantamento crescente do poder privado".
É clarividente, portanto, que não apenas o Estado pode figurar como agente violador de direitos fundamentais, mas também os particulares, impondo-se, por tais motivos, a eficácia direta e imediata destes direitos nas relações ditas horizontais.
Saliento que a adoção da teoria do "Drittwirkung" implica no reconhecimento da unidade do ordenamento jurídico e, por conseguinte, na "impossibilidade de se conceber o Direito Privado como um gueto, à margem da Constituição e dos direitos fundamentais" (SARMENTO, 2004, p. 245/246). Ademais, entendo que esta teoria está em perfeita harmonia com o exposto no §1º, do artigo 5º, da Carta Magna, o qual dispõe que as normas definidoras dos direitos fundamentais possuem eficácia imediata.
Assim, plenamente possível é a invocação do princípio da dignidade humana, previsto no artigo 1º, inciso III, da Constituição Federal, como forma de proteção ao empregado que, no exercício do seu labor, é assediado moralmente por um empregador que, ao praticar tais atos ou consentir que os mesmos sejam praticados, viola princípios, normas constitucionais e descumpre com a função social do contrato de trabalho.
Por outra vertente, temos que os ataques perpetrados pelo agressor no ambiente de trabalho, que achincalham a auto-estima da vítima e ofendem sua honra (subjetiva e objetiva), intimidade e imagem, infringem o direito fundamental elencado no artigo 5º, inciso X, da Carta Magna, assegurando-se, ao ofendido, o direito à indenização pelos danos materiais e morais decorrentes da violação.
Outras normas constitucionais podem, ainda, ser invocadas para a proteção do empregado, a exemplo dos artigos 7º, inciso XXII, 170, inciso VI e 225, caput, que obrigam o empregador, sob pena de responsabilização, a garantir um meio ambiente de trabalho seguro e sadio, livre de fenômenos maléficos que causem danos à saúde física e psíquica do obreiro, como o assédio moral.
Por fim, enalteço que ao se vislumbrar a prática do assédio moral como ofensiva aos direitos personalíssimos do empregado, este pode, além de obter indenização pelos danos morais sofridos, pleitear a rescisão indireta do contrato de trabalho, invocando, para tanto, as alíneas "a", "b" ou "e", do artigo 483, da CLT, fazendo jus, assim, a todas as verbas inerentes à despedida sem justa causa.
6. FORMAS DE PREVENÇÃO.
As conseqüências trazidas pelo assédio moral no meio ambiente profissional mostram-se extremamente negativas e de intensa gravidade e, extirpar este fenômeno quando já inserido no meio laboral, torna-se tarefa de destacada dificuldade, mormente pelo pacto de tolerância e silêncio que geralmente acompanham esta forma de violência psicológica.
Urge, então, a necessidade de agir com antecedência, através da adoção de políticas eficazes de prevenção do assédio moral no ambiente de trabalho, que minimizem as conseqüências desta prática não apenas para vítima, mas também para a empresa e a sociedade, sendo analisadas no presente estudo algumas propostas, deixando em aberto inúmeros outros caminhos e idéias que possam surgir e efetivamente contribuir para a erradicação desta nefasta prática.
6.1 Atividades de relaxamento e entretenimento.
Sempre que estivermos diante de organizações de trabalho que incentivem a competitividade desmedida, a produtividade acima do bem estar dos obreiros e que, rotineiramente, se valham da ameaça do desemprego como forma de pressão, o assédio moral encontrará ambiente fértil para nascer e se difundir. O primeiro passo, portanto, é dar aos empregados melhores condições de trabalho como forma de afastar o estresse da rotina laboral, pois melhorando a qualidade de vida, a frustração dos trabalhadores diminui.
Inúmeras são as tentativas empreendidas pelo setor de recursos humanos e psicólogos das empresas a fim de combater o estresse, sendo uma das técnicas mais bem sucedidas e utilizadas a que prevê a reserva, geralmente no período matutino, de alguns minutos do horário de trabalho para o incentivo de atividades lúdicas e físicas, como exercícios de alongamento, respiração e meditação através de músicas relaxantes.
É importante que nestes momentos de interação, descontração e relaxamento participem conjuntamente todos os empregados, desde os integrantes do mais alto escalão da organização empresarial até o denominado "chão da fábrica".
Trata-se de medida simples, de baixo custo e que gera resultados extremamente positivos, pois ao se dispensar atenção e cuidado aos empregados, estes elevam sua auto-estima, aumentam sua auto-confiança e, conseqüentemente, melhoram a qualidade de vida mantendo incólume sua saúde mental.
6.2 Novas técnicas de gerenciamento. A técnica da avaliação 360 graus.
É certo que a depender do modelo de gerenciamento adotado na empresa, pode o fenômeno da violência psicológica encontrar um ambiente propício para o seu desenvolvimento, a exemplo da gestão por estresse, por injúria ou pelo medo.
A fim de evitar formas de administração que permitam a proliferação do mobbing no ambiente de trabalho e que culminam por causar graves prejuízos de ordem econômica à empresa – como as elevadas indenizações por danos morais - emergem novas técnicas de gerenciamento, como a avaliação ou "feedback" de 360 graus.
Esta técnica de gestão, surgida nos Estados Unidos na década de 70, permite a melhora na comunicação, o aumento da transparência nas relações de trabalho e atua como eficaz instrumento para detecção de problemas e sua correção no âmbito empresarial interno. Trata-se de um sistema de avaliação de múltiplas fontes, por meio do qual é possível avaliar os colegas de trabalho e superiores hierárquicos, garantindo-se, sempre, o sigilo, o anonimato e a confidencialidade das manifestações e opiniões expressadas.
Assim, através da troca de informações, vislumbra-se um impacto positivo no meio ambiente de trabalho, pois permite o crescimento e o amadurecimento pessoal e profissional do avaliado que, muitas vezes, somente através desta avaliação toma ciência de seu desempenho, virtudes e defeitos dentro do grupo empresarial.
Note-se que esta técnica não deve ser aplicada apenas no sentido horizontal e vertical descendente, onde somente os subordinados são avaliados, mas também no sentido vertical ascendente, de forma a que os chefes, diretores, supervisores e gerentes sejam avaliados por seus inferiores hierárquicos, assimilem as críticas e, com este aprendizado, empreendam, se necessário, mudanças no perfil de liderança exercido.
A materialização desta técnica de gerenciamento ocorre geralmente através de questionamentos, nos quais são formuladas afirmações e o empregado ou superior hierárquico decide em qual categoria inserir a pessoa em questão, se ineficaz, não muito eficaz, razoavelmente eficaz, eficaz, extremamente eficaz ou não observado.
Os questionamentos hodiernamente indagam acerca do foco do avaliado ao cliente, do seu gerenciamento de equipe, se valoriza opiniões diferentes, se motiva e orienta, se possui bom relacionamento, se adota uma conduta ética no emprego, se existe coerência entre o que fala e o que faz, se valoriza o desenvolvimento dos empregados, dentre inúmeros outros.
Facilmente se percebe, então, que a implantação desta técnica na empresa pode contribuir significativamente na detecção do problema do assédio moral, pois ao se garantir o sigilo e o anonimato das manifestações, a vítima sente-se segura para identificar e expor seu agressor, sem medo de represálias. Em casos tais, deve o departamento de recursos humanos intervir energicamente, repreendendo o agressor por seu comportamento e conscientizando-o da gravidade que sua conduta representa ao bom andamento da organização empresarial.
6.3 Condutas afirmativas da empresa.
Apesar de ser a tática utilizada por muitos empregadores, negar a ocorrência de assédio moral no interior das empresas não minimiza e muito menos soluciona o problema, mas sim o agrava, pois o agressor ao não encontrar limites, prossegue inescrupulosamente até atingir o seu objetivo final de eliminação da vítima do ambiente de trabalho.
Ao invés da negativa, deve buscar o empregador adotar medida diversa, também revestida de simplicidade e baixo custo, que pode acarretar efeitos positivos à organização empresarial, como a divulgação e sensibilização dos obreiros acerca da realidade do assédio moral e suas devastadoras conseqüências.
O treinamento de gerentes para monitorar e identificar as primeiras indicações de conflito e prevenir a deterioração que o mobbing provoca, igualmente se revela uma eficiente medida, pois demonstra claramente não estar a empresa compactuando e tolerando esta forma de violência. Neste trabalho de primazia à informação, deve a empresa escolher profissionais especializados, como médicos do trabalho, psicólogos e advogados militantes nesta seara, que se engajem em uma campanha de explicação e conscientização desta prática, distinguindo o mobbing de outros fenômenos, abrindo espaço para debates, promovendo palestras, confeccionando e distribuindo folhetos explicativos e ensinando técnicas de autodefesa verbal aos ataques do agressor.