1. INTRODUÇÃO.
O atual cenário econômico mundial de globalização e flexibilização das relações de trabalho, consagrador da competitividade desmedida e da intensa produtividade a baixo custo, revela-se o ambiente propício para que no âmbito interno das organizações de trabalho se proliferem patologias sociais, como o assédio moral.
É induvidoso que estes elementos da pós-modernidade contribuem para a elevação do grau de impessoalidade e distanciamento entre as pessoas dentro da empresa, propiciando a prática de atitudes hostis do empregador e a coisificação do empregado, que de ser humano dotado de direitos passa a ser compreendido como um objeto descartável na estrutura empresarial.
Entretanto, mesmo o assédio moral sendo tão antigo quanto o próprio trabalho, somente nas últimas décadas este risco invisível começou a despertar o interesse da sociedade que, através da divulgação de estudos e pesquisas, passou a se conscientizar da freqüente ocorrência do fenômeno e da gravidade das conseqüências da violência psicológica à saúde do trabalhador, abalando sua existência, corroendo a auto-estima, acarretando doenças ou agravando as pré-existentes e levando muitos ao cometimento do suicídio.
O assédio moral, consistente na exposição dos trabalhadores a situações humilhantes e constrangedoras, repetitivas e duradouras durante a jornada laboral, atenta contra a integridade psíquica ou física de uma pessoa, ameaçando seu emprego ou degradando o clima de trabalho (Hirigoyen, 2002 e Barreto, 2000).
Esta prática, que visa desestabilizar emocionalmente a vítima afastando-a do trabalho, apesar de afrontar o maior princípio constitucional de nossa ordem jurídica, a dignidade da pessoa humana, não possui tratamento legal específico, não sendo sequer tipificado como crime pela legislação penal brasileira.
Exemplo do substancial aumento de casos de assédio moral no ambiente laboral é o elevado número de demandas ajuizadas perante a Justiça do Trabalho, visando, geralmente, indenizações por danos morais à integridade psíquica e física da vítima, de forma a que quase todos os vinte e quatro Tribunais Regionais do Trabalho existentes no país já examinaram este tema em sede de recurso.
Urge, então, que a passividade coletiva e a resignação silenciosa cedam lugar a uma postura ativa da sociedade que, juntamente com o Estado e as organizações sindicais, dispensem maior atenção ao problema e envidem esforços na busca de medidas eficazes de prevenção e repressão a esta devastadora patologia social.
2. ASSÉDIO MORAL: PROBLEMA ANTIGO, INTERESSE RECENTE.
Poder-se-ia imaginar que a problemática do assédio moral é um fenômeno recente na sociedade e que somente agora, ante o seu propalado surgimento, é que doutrinadores e pesquisadores empreenderam esforços para estudá-lo. Ledo engano de quem assim raciona, conforme passaremos a elucidar.
Analisando-se o passado histórico do nosso país, desaguamos no período da escravidão, época em que os maus tratos, atrocidades e abusos eram infligidos ao ser humano com o fim de atingir uma maior produção agrícola. Neste período, não raras eram as perseguições, os castigos, as humilhações e a morte dos que resistiam ou não se adequavam a esse modelo produtivo.
Com o término da escravidão e, por conseguinte, com a substituição da mão de obra escrava pela dos imigrantes, não houve substancial mudança do antigo modelo existente, pois persistiram os relatos de maus tratos, privações, humilhações e até de assédio sexual.
Prosseguindo nesta análise histórico-evolutiva, chegamos à fase da industrialização que significou um inegável avanço tecnológico para a época, onde a ferramenta manual foi substituída pelas máquinas. Pode-se afirmar, na esteira do lecionado por Delgado (2005), que no período da Revolução Industrial o trabalhador se reconectou ao sistema produtivo através de uma relação de produção inovadora, que buscou combinar a liberdade com a subordinação, não havendo, contudo, significativo progresso no que tange aos direitos do trabalhador, persistindo nesta fase a precariedade nas relações de trabalho sem o reconhecimento de direitos basilares, submissão dos obreiros a jornadas extenuantes, salários ínfimos, ausência de assistência médica, condições de higiene degradantes e utilização da força de trabalho do menor.
Através deste simplório escorço histórico se percebe que as organizações atuais, a despeito do acentuado estágio de desenvolvimento tecnológico em que se encontram, continuam incorrendo em erros do passado, tolerando maus tratos e humilhações à parte mais vulnerável da relação de trabalho, sendo exatamente pela falta de habilidade para se lidar com o poder e pela resistência em se vislumbrar o ser humano como um sujeito detentor não apenas de deveres, mas também de direitos é que surgem, cada vez mais, atos de hostilidade e violência moral/psíquica no universo laboral.
Por todas estas razões é que costumeiramente se afirma que o assédio no trabalho é quase tão antigo quanto o próprio trabalho. Entretanto, apenas na última década é que os pesquisadores e estudiosos voltaram seus olhos para este fenômeno, identificando-o e reconhecendo a sua potencialidade lesiva no meio ambiente laboral, em virtude dos acentuados desgastes psicológicos que provoca.
E o que seria o assédio moral?
3. NOÇÕES GERAIS SOBRE O ASSÉDIO MORAL NO AMBIENTE DO TRABALHO.
3.1. Contexto sociolaboral de surgimento e desenvolvimento.
Como é cediço, a Carta Magna de 1988 conferiu especial importância ao meio ambiente do trabalho, estatuindo em diversos preceitos, a exemplo do artigo 7º, inciso XXII, artigo 39, §3º, artigo 200, inciso VIII, artigo 170, inciso VI e artigo 225, caput, que é dever de todos preservar a sanidade ambiental, garantindo-se condições propícias de higiene e segurança e, em relação ao empregador, adotar medidas a fim de reduzir os riscos inerentes ao trabalho.
O trabalho na nova ordem constitucional foi erigido à condição de fundamento da República Federativa do Brasil, revelando-se como fonte de dignidade e meio de promoção da justiça social e do bem-estar.
Partindo-se da premissa de que o direito ao trabalho é um direito fundamental, consectário lógico desta afirmativa é entender que o local no qual o mesmo é desenvolvido deva também se revestir desta fundamentalidade. Logo, é imperioso enxergar o direito ao meio ambiente de trabalho equilibrado como um direito de todos, como um bem essencial à sadia qualidade de vida.
Provavelmente uma das tarefas mais difíceis da humanidade é a tentativa de equilibrar o desenvolvimento econômico de uma comunidade com a mantença de um ambiente de trabalho sadio, de conciliar as vantagens econômicas com a não degradação das condições de trabalho, isto é, propiciar o denominado crescimento econômico sustentável sem gravames excessivos ao meio ambiente, aqui inserido, obviamente, o meio ambiente laboral.
No contexto econômico atual sobreleva a dificuldade desta tarefa, haja vista a crise vivenciada pelo mercado de trabalho, originada do culto ao individualismo, da busca desenfreada pelo lucro, do exacerbamento da competitividade, da prevalência da lei da selva a todo o custo e da procura incessante pela máxima produtividade com o mínimo de dispêndio possível, predominando a razão econômica em detrimento de qualquer outra (seja política ou social).
É induvidoso, portanto, que todos esses fatores aliados contribuem para a elevação de um grau de impessoalidade e distanciamento entre as pessoas dentro da empresa, propiciando a prática de atitudes hostis do empregador e a coisificação do trabalhador, que de ser humano dotado de direitos passa a ser compreendido como um objeto descartável na estrutura empresarial.
Fácil perceber que a saúde do ambiente de trabalho encontra-se diretamente relacionada à forma como é exercido o poder diretivo do empregador. Os novos métodos de estratégia empresarial, decorrentes de um modelo produtivo prestigiador da dominação e da competitividade desumana, fazem emergir uma gestão por estresse, na qual o empregador se utiliza do fantasma do desemprego como instrumento de pressão, premia a ambição e transforma colegas de trabalho em verdadeiros concorrentes.
Resta cristalino, então, que este cenário econômico mundial de extrema competitividade e intensa produtividade a baixo custo, influencia para que no âmbito interno das empresas prepondere um ambiente hostil de liderança, marcado pela insensibilidade de dirigentes muito mais preocupados com o atingimento de metas e resultados do que com o bem estar e a dignidade humana do trabalhador.
Em contraposição a este cenário externo desfavorável, urge que no âmbito interno da empresa o poder diretivo seja exercido dentro dos limites da razoabilidade, a fim de proteger o trabalhador das conseqüências nefastas deste modelo de capitalismo selvagem vigente. Do contrário, em sendo o poder diretivo desvirtuado e utilizado de forma abusiva, fulmina-se com qualquer espírito de cooperação e solidariedade acaso existente entre os obreiros e faz-se do ambiente de trabalho um terreno fértil para o surgimento de relações perversas como o assédio moral, fenômeno que se não combatido, pode levar à debilidade da saúde de inúmeros trabalhadores em todo o mundo.
3.2 Conceito.
O assédio moral pode ser definido como o conjunto de atos, gestos, atitudes e comportamentos que, por sua repetição, atentam contra a dignidade ou integridade psíquica ou física de uma pessoa, ameaçando seu emprego ou degradando o clima de trabalho (Hirigoyen, 2002).
Merecedora de aplausos é também a definição exposta pela médica do trabalho Barreto (2000, p.22), que entendeu o assédio moral como a "exposição prolongada e repetitiva a condições de trabalho que, deliberadamente, vão sendo degradadas. Surge e se propaga em relações hierárquicas assimétricas, desumanas e sem ética, marcada pelo abuso de poder e manipulações perversas".
Como elucidativamente leciona a jurista baiana Guedes (2005), estamos tratando daquelas atitudes humilhantes, repetidas, aparentemente despropositadas, insignificantes, sem sentido, mas que ocorrem com uma freqüência predeterminada, que vão desde o olhar carregado de ódio, o desprezo e a indiferença, passam pelo desprestígio profissional, por descomposturas desarrazoadas e injustas, tratamento vexatório, gestos obscenos, palavras indecorosas, culminando com o isolamento e daí descambando para a fase do terror total, com a destruição psíquica, emocional e existencial da vítima.
Pelos conceitos acima colacionados, facilmente se infere que alguns aspectos afiguram-se essenciais para a caracterização do fenômeno: a regularidade dos ataques e a intenção de desestabilizar emocionalmente a vítima, afastando-a do trabalho. Imprescindível, portanto, que exista uma conotação persecutória nos atos praticados, caracterizada pela repetição sistemática da violência durante considerável lapso de tempo, aliada à finalidade inabalável de destruir psicologicamente a vítima até sua completa eliminação do ambiente de trabalho.
As primeiras manifestações do mobbing são quase imperceptíveis e somente com a reiteração das práticas vexatórias é que o fenômeno se identifica e incorpora. Com a permanência e a intencionalidade dos ataques, a vítima se desestabiliza emocionalmente e fica fragilizada, sofrendo efeitos perniciosos em sua saúde física e psíquica.
O assédio moral não pode ser confundido com o simples estado biológico de estresse ou com agressões pontuais, nas quais não se vislumbra a intencionalidade, a repetitividade e o intuito persecutório necessários. Esta patologia da solidão vai além, fere a dignidade da pessoa humana e gera conseqüências devastadoras que comprometem a identidade e as relações afetivas e sociais do trabalhador podendo levá-lo, inclusive, a cometer o suicídio.
A violência psicológica nas organizações de trabalho geralmente emerge como produto da inveja, rivalidade e ciúme sentidos pelo perverso que, bizarramente, se satisfaz ao isolar, ignorar, inferiorizar e destruir a individualidade e a auto-estima da vítima. Tal demonstração de poder torna-se ainda mais prazerosa para o perverso se praticada perante os colegas de trabalho do assediado, pois estes ao invés de se sensibilizarem, tornam-se meros espectadores, mantendo-se alheios ao sofrimento da vítima.
Instaura-se, então, um verdadeiro pacto de silêncio e de tolerância no ambiente laboral, onde os colegas de trabalho da vítima, seja por medo do desemprego, de serem também humilhados ou por estímulo à competitividade, se quedam inertes e rompem os laços afetivos com ela existentes, contribuindo, sobremaneira, para o sucesso da manipulação perversa empreendida pelo agressor.
3.3 Classificação.
O assédio moral pode ser classificado em duas modalidades: o vertical e o horizontal. O mobbing vertical, por sua vez, pode se subdividir em ascendente e descendente.
O assédio moral vertical ascendente é o de mais rara ocorrência, e se verifica naqueles casos em que os subordinados se insurgem e perversamente investem ataques contra o superior, retirando-lhe a autoridade e forçando-o à demissão, geralmente emergindo quando o empregador escolhe para ocupar o cargo de chefia um empregado jovem e inexperiente que, ao demonstrar o mínimo de insegurança no exercício de suas atividades, se torna presa fácil nas mãos de subalternos perversos e invejosos.
Os subordinados procuram, então, retirar a autoridade de seu chefe, primeiro resistindo e descumprindo ordens por ele exaradas e depois debochando de algumas atitudes adotadas. Os ataques tornam-se intensos e o superior começa a duvidar da própria competência e da capacidade de liderar pessoas, tendo reduzida, assim, a sua auto-estima.
Ante a insubordinação instalada, o chefe se anula no meio ambiente de trabalho e opta por não comunicar o ocorrido ao empregador, pois teme que a exposição de suas fraquezas implique na perda do seu cargo. Desta forma, desrespeitado e sem conseguir impor a sua autoridade, o superior hierárquico se isola, não sendo raros os casos de afastamento para tratamento psicológico, pedido de demissão e até de suicídio.
A outra modalidade de assédio vertical é o descendente, isto é, aquela forma de assédio onde a violência é cometida de cima para baixo, fundando-se em questões de hierarquia. O mobbing vertical descendente é o tipo que se verifica com mais freqüência no dia a dia, sendo perpetrado pelo superior hierárquico ou pelo próprio empregador, sócio ou dono da empresa.
Esta forma de violência geralmente está atrelada a relações de trabalho autoritárias, nas quais predomina o desrespeito e o rigor excessivo do chefe. Nestes casos, transparece o desvirtuamento do poder diretivo do empregador, que receoso de perder o controle ou pela necessidade que possui de rebaixar os outros para se engrandecer, abusa do seu direito de fiscalizar e punir os empregados, desestruturando o ambiente de trabalho.
O superior hierárquico geralmente valendo-se do seu status dentro da organização empresarial e visando eliminar o empregado da empresa, submete-o a tratamentos constrangedores e humilhantes, isolando-o do grupo e esvaziando suas atribuições a fim de deixá-lo no ócio.
Assim, ainda que aviltado em sua dignidade humana, o empregado, por temer perder o emprego, se sujeita aos ataques sofridos, dando continuidade a essa relação doentia de trabalho até ter sua auto-estima completamente aniquilada pelo perverso.
Por fim, existe outro tipo de assédio moral, o horizontal, praticado por colegas de trabalho de mesmo patamar hierárquico que a vítima. Os motivos ensejadores desta violência moral, via de regra, são o excesso de individualismo, a inveja e a competitividade, embora o preconceito racial, a xenofobia e a opção sexual também sejam apontados como causas imediatas desse tipo de perversão.
Saliento, outrossim, que como nos demais casos de assédio, também no mobbing horizontal o empregador poderá ser judicialmente responsabilizado pelos danos ocasionados à vítima, a uma porque era dever seu, imposto pela Constituição e legislação infraconstitucional, garantir um meio ambiente de trabalho sadio ao empregado, a duas porque a legislação cível, mais especificamente no inciso III, do artigo 932, do Código Civil, estabelece ser o empregador responsável, objetivamente, pelos atos de seus empregados, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele.
3.4 Técnicas utilizadas pelo agressor.
Após escolher sua vítima, o agressor dá início aos ataques, isolando-a no ambiente profissional e utilizando-se de diversas estratégias a fim de imobilizá-la e fragilizá-la. Dentre as inúmeras condutas de que se vale o assediador, uma das mais comuns consiste em impedir a vítima de se expressar, seja porque não é chamada a opinar sobre nenhum assunto da empresa, seja porque ao começar a expor suas idéias é bruscamente interrompida antes de conseguir concluí-las. Esta recusa à comunicação faz com que a vítima passe a apoucar-se e a sentir-se uma peça dispensável no ambiente de trabalho, cujas idéias e opiniões não possuem qualquer expressão, ou relevância.
Outra conduta bastante utilizada pelo agressor é a de ridicularizar e culpabilizar a vítima perante seus colegas de trabalho, desqualificando-a publicamente e fazendo comentários maldosos acerca de sua incapacidade, levando-a, pouco a pouco, a desacreditar de si mesma.
Sempre visando abalar a auto-confiança da vítima, o perverso busca constrangê-la, exercendo uma vigilância exagerada sobre suas atividades, conferindo-lhe tarefas inúteis ou exigindo metas que sabe impossíveis de serem atingidas. Não raro, opta o perverso pela inação compulsória, isto é, deixa de repassar serviços ao trabalhador, para que o mesmo, pela ociosidade vivida diariamente, sinta-se inútil à organização empresarial.
Neste momento, o agressor já isolou a vítima do grupo, deixando-a de "quarentena", e ela, arrebatada pelo sentimento da solidão, sente-se ignorada, descontente, incompreendida e diferente dos seus pares. Essa verdadeira perseguição instaurada desestabiliza o emocional da vítima e faz com que, paulatinamente, se desencante e perca o interesse pelo trabalho.
A vítima fica, então, completamente fragilizada e com a auto-estima destruída, tendo seu estado de saúde agravado e, em inúmeros casos, recorrendo ao uso de drogas e álcool, conseguindo o agressor, finalmente, atingir seu intento de eliminá-la do meio ambiente de trabalho, seja através de um pedido de demissão forçado, seja despedindo-a por justa causa, ou, nos casos mais extremos, em virtude do seu suicídio.
As estratégias e condutas, como visto, são das mais diversas começando pelo isolamento e incomunicabilidade da vítima, passando à proibição de conversar com colegas, exclusão das atividades sociais da empresa, transmissão de informações erradas ou sonegação das mesmas, designação de tarefas sem importância, imposição de prendas que exponham o empregado ao ridículo, responsabilização por erros de outra pessoa, comentários maliciosos e desrespeitosos, referências maldosas sobre aspectos físicos, crenças, conduta e família, divulgação de rumores sobre a vida privada, mudança de mobiliário sem prévia comunicação, colocação de outro trabalhador controlando o outro, fora da estrutura hierárquica da empresa, violação de correspondência, rebaixamento injustificado de função, limitação do tempo ou do número de idas da vítima ao banheiro, dentre outras.
Apesar de distintas, inegável que em todas as condutas e estratégias empreendidas o fim não discrepa, pois através delas visa sempre o agressor desestabilizar psicologicamente a vítima, destruir sua auto-estima e manipular a sua dignidade profissional.
4. CONSEQÜÊNCIAS DO MOBBING PARA A VÍTIMA, ORGANIZAÇÃO EMPRESARIAL E SOCIEDADE.
A violência psicológica cometida em relação ao empregado seja por um superior, subordinado, ou colega de trabalho de igual hierarquia, acarreta graves conseqüências não apenas à vítima, mas também à empresa e à sociedade.
Os sucessivos ataques dirigidos à vítima ensejam distúrbios psicossomáticos e psicológicos, sendo de mais comum ocorrência a cefaléia, transtornos digestivos e cardiovasculares, insônia, fadiga, irritabilidade, ansiedade, burnout (estresse por acúmulo de trabalho), crises de choro, sentimento de inutilidade e fracasso, dificuldade de concentração, obsessões, fobias, crises de auto-estima, depressão, angústia, sentimento de culpa, aumento de peso ou emagrecimento exagerado, redução da libido, aumento da pressão arterial, abuso de álcool, tabaco e outras drogas e pensamentos suicidas.
Não bastassem os resultados nefastos que o mobbing provoca nas vítimas, também as empresas sentem as conseqüências dessas situações de violência moral cometidas no ambiente profissional, que envolvem o absenteísmo (ausência ao trabalho), queda da produtividade e da competitividade, rotatividade de mão-de-obra pela saída do assediado do emprego, gastos com a qualificação do novo contratado, diminuição da qualidade dos produtos e serviços, deterioração da imagem da empresa e despesas com o pagamento de indenizações decorrentes de processos judiciais por assédio moral.
Outrossim, é inegável que o psicoterror aumenta os riscos de acidente de trabalho, pois em razão dos constantes ataques sofridos, a vítima fica desatenta e com dificuldade de concentração, incumbindo à empresa, em caso de infortúnio, arcar com os prejuízos decorrentes do evento e com os primeiros quinze dias de afastamento do empregado. Notório, portanto, que o assédio moral nenhuma vantagem traz a qualquer das partes, representando, sob o ponto de vista do empregador, uma queda em sua lucratividade.
Não se olvide, ainda, que a violência moral no trabalho projeta efeitos negativos sobre a sociedade, podendo-se sob este prisma mencionar como conseqüências do assédio "a precarização das condições de qualidade de vida, crises de relações familiares e comunitárias, custos sociais por enfermidade, aumento do mal-estar, riscos de suicídio, de aborto e divórcios, além do desemprego" (FERREIRA, 2007, p.48/49).
Assim, também o Estado sofre os efeitos perversos do assédio moral, arcando com elevados custos no que tange à saúde pública, à assistência e à previdência social, prestando serviços de reabilitação profissional e concedendo benefícios previdenciários em razão do afastamento precoce dos empregados/segurados.
5. TRATAMENTO LEGAL CONFERIDO AO ASSÉDIO MORAL NO BRASIL.
Como antes afirmado, o termo assédio moral surgiu no Brasil, pela primeira vez, no texto do Projeto de Lei nº 425/1999 apresentado à Câmara Municipal de São Paulo, que versava sobre a aplicação de penalidades à prática desse comportamento no âmbito da administração direta municipal.
Apesar do pioneirismo deste projeto de lei, elaborado em 1999, o mesmo somente foi convertido em lei municipal (Lei 13.288) em 2002, e, neste intervalo de tempo, enquanto se aguardava a aprovação pela Câmara do Município de São Paulo, foi publicada, pelo município de Iracemápolis, a primeira lei municipal brasileira sobre assédio moral, a Lei nº 1.163/2000, com aplicação restrita aos servidores públicos dessa Edilidade e dispondo sobre o tema nos seguintes termos:
Artigo 1º - Ficam os servidores públicos municipais sujeitos às seguintes penalidades administrativas na prática de assédio moral, nas dependências do local de trabalho:
(...)
Parágrafo Único - Para fins do disposto nesta Lei, considera-se assédio moral todo tipo de ação, gesto ou palavra que atinja, pela repetição, a auto-estima e a segurança de um individuo, fazendo-o duvidar de si e de sua competência, implicando em dano ao ambiente de trabalho, à evolução da carreira profissional ou à estabilidade do vínculo empregatício do funcionário, tais como: marcar tarefas com prazos impossíveis, passar alguém de uma área de responsabilidade para funções triviais; tomar crédito de idéias de outros; ignorar ou excluir um funcionário só se dirigindo a ele através de terceiros; sonegar informações de forma insistente; espalhar rumores maliciosos; criticar com persistência; subestimar esforços . grifei
Após a louvável iniciativa do município de Iracemápolis-SP, diversos outros trilharam o mesmo rumo editando leis próprias que combatessem a prática do assédio moral no âmbito da administração municipal, a exemplo de Cascavel – PR (Lei nº 3.243/01), Guarulhos – SP (Lei nº 358/01), Sidrolândia – MS (Lei nº 1.078/01), Jaboticabal - SP (Lei nº 2.982/01), São Paulo – SP (Lei nº 13.288/02), Natal – RN (Lei nº 189/02), Americana – SP (Lei nº 3.671/02), Campinas – SP (Lei nº 11.409/02) e São Gabriel do Oeste – MS (Lei nº 511/03).
Fácil concluir, então, que os poderes legislativos de diversos municípios, por todo o país, se empenharam em aprovar leis de combate ao assédio moral, conceituando o fenômeno e impondo penalidades aos servidores que nele incorressem. No âmbito estadual, entretanto, a produção legislativa não se revelou tão intensa quanto se fazia necessário, figurando o Estado do Rio de Janeiro como o pioneiro na edição de lei contra o psicoterror, a Lei nº 3.921, de 23 de agosto de 2002, vedando esta prática no âmbito dos órgãos, repartições ou entidades estatais.
A despeito de existir alguma proteção legislativa municipal e estadual às vítimas de assédio moral, ainda que limitada aos servidores públicos, não podemos deixar de lamentar a ausência de legislação em vigor no âmbito federal que discipline este tema, sendo vários os projetos em trâmite perante o Congresso Nacional que abordam o tema do assédio moral, inclusive tipificando-o como crime, a exemplo dos Projetos de Lei nº 4.742/2001 e nº 5.971/2001, no entanto, todos se encontram pendentes de apreciação e aprovação.
É de se registrar, ainda, que a Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, datada de 1º maio de 1943, também não possui nenhum dispositivo em seu bojo que contemple de forma direta e específica o assédio moral no âmbito laboral, ficando o empregado, portanto, carente de proteção legal.
Após os argumentos tecidos, pode-se indagar: se inexiste no âmbito federal diretiva específica para o combate à ocorrência do assédio moral, como se concretizará a proteção do empregado? Ante a insuficiência legislativa, resta claro que não pode a vítima do assédio psicológico ficar à míngua de proteção, sendo imperiosa, então, a invocação de princípios constitucionais protetivos de aplicação imediata ao caso concreto.
5.1 Recurso aos princípios constitucionais e à teoria da eficácia horizontal dos direitos fundamentais.
Como explanado no tópico anterior, a legislação acerca do assédio moral revela-se insipiente, clamando, portanto, a invocação de princípios constitucionais basilares, a fim de impedir e fazer cessar as violações à intimidade e dignidade do trabalhador assediado.
É de clareza solar que os atos de perseguição e humilhação praticados pelo perverso, que minam a auto-estima da vítima e visam destruí-la, afrontam, diretamente, o princípio constitucional da dignidade humana, estampado no artigo 1º, inciso III, da Constituição Federal. Este princípio constitucional, ao ser erigido à condição de fundamento da República Federativa do Brasil, demonstra o intento do constituinte em conferir à pessoa humana posição de destaque no sistema jurídico, figurando como fundamento e fim da sociedade e do Estado.
Neste contexto de análise da primazia do princípio da dignidade da pessoa humana, emergem questionamentos acerca dos destinatários deste preceito, isto é, se a observância de tais normas são obrigatórias tão somente em relação ao Estado, ou se também vincula os particulares.
Durante longo período reinou a interpretação de que os direitos fundamentais possuíam eficácia apenas vertical, ou seja, somente eram oponíveis aos poderes públicos, não tendo aplicabilidade e eficácia entre particulares, por vigorar entre estes o princípio da autonomia privada.
Em contraposição à corrente até então adotada, exsurge, através da doutrina alemã, a teoria da eficácia imediata ou direta dos direitos fundamentais, também denominada teoria da "Drittwirkung", que reconhece a ampla oponibilidade dos direitos fundamentais nas relações privadas, eis que não apenas o Estado é capaz de violá-los.
A doutrina majoritária, atualmente, se inclina a favor desta última teoria, pois não há como se conferir prevalência ao princípio da autonomia privada se este se funda na inverídica premissa de "igualdade entre as partes". Esta igualdade, na prática, revela-se meramente formal e, no dizer de Guedes (2005, p.125), "vem se esboroando diante da perversa realidade do agigantamento crescente do poder privado".
É clarividente, portanto, que não apenas o Estado pode figurar como agente violador de direitos fundamentais, mas também os particulares, impondo-se, por tais motivos, a eficácia direta e imediata destes direitos nas relações ditas horizontais.
Saliento que a adoção da teoria do "Drittwirkung" implica no reconhecimento da unidade do ordenamento jurídico e, por conseguinte, na "impossibilidade de se conceber o Direito Privado como um gueto, à margem da Constituição e dos direitos fundamentais" (SARMENTO, 2004, p. 245/246). Ademais, entendo que esta teoria está em perfeita harmonia com o exposto no §1º, do artigo 5º, da Carta Magna, o qual dispõe que as normas definidoras dos direitos fundamentais possuem eficácia imediata.
Assim, plenamente possível é a invocação do princípio da dignidade humana, previsto no artigo 1º, inciso III, da Constituição Federal, como forma de proteção ao empregado que, no exercício do seu labor, é assediado moralmente por um empregador que, ao praticar tais atos ou consentir que os mesmos sejam praticados, viola princípios, normas constitucionais e descumpre com a função social do contrato de trabalho.
Por outra vertente, temos que os ataques perpetrados pelo agressor no ambiente de trabalho, que achincalham a auto-estima da vítima e ofendem sua honra (subjetiva e objetiva), intimidade e imagem, infringem o direito fundamental elencado no artigo 5º, inciso X, da Carta Magna, assegurando-se, ao ofendido, o direito à indenização pelos danos materiais e morais decorrentes da violação.
Outras normas constitucionais podem, ainda, ser invocadas para a proteção do empregado, a exemplo dos artigos 7º, inciso XXII, 170, inciso VI e 225, caput, que obrigam o empregador, sob pena de responsabilização, a garantir um meio ambiente de trabalho seguro e sadio, livre de fenômenos maléficos que causem danos à saúde física e psíquica do obreiro, como o assédio moral.
Por fim, enalteço que ao se vislumbrar a prática do assédio moral como ofensiva aos direitos personalíssimos do empregado, este pode, além de obter indenização pelos danos morais sofridos, pleitear a rescisão indireta do contrato de trabalho, invocando, para tanto, as alíneas "a", "b" ou "e", do artigo 483, da CLT, fazendo jus, assim, a todas as verbas inerentes à despedida sem justa causa.
6. FORMAS DE PREVENÇÃO.
As conseqüências trazidas pelo assédio moral no meio ambiente profissional mostram-se extremamente negativas e de intensa gravidade e, extirpar este fenômeno quando já inserido no meio laboral, torna-se tarefa de destacada dificuldade, mormente pelo pacto de tolerância e silêncio que geralmente acompanham esta forma de violência psicológica.
Urge, então, a necessidade de agir com antecedência, através da adoção de políticas eficazes de prevenção do assédio moral no ambiente de trabalho, que minimizem as conseqüências desta prática não apenas para vítima, mas também para a empresa e a sociedade, sendo analisadas no presente estudo algumas propostas, deixando em aberto inúmeros outros caminhos e idéias que possam surgir e efetivamente contribuir para a erradicação desta nefasta prática.
6.1 Atividades de relaxamento e entretenimento.
Sempre que estivermos diante de organizações de trabalho que incentivem a competitividade desmedida, a produtividade acima do bem estar dos obreiros e que, rotineiramente, se valham da ameaça do desemprego como forma de pressão, o assédio moral encontrará ambiente fértil para nascer e se difundir. O primeiro passo, portanto, é dar aos empregados melhores condições de trabalho como forma de afastar o estresse da rotina laboral, pois melhorando a qualidade de vida, a frustração dos trabalhadores diminui.
Inúmeras são as tentativas empreendidas pelo setor de recursos humanos e psicólogos das empresas a fim de combater o estresse, sendo uma das técnicas mais bem sucedidas e utilizadas a que prevê a reserva, geralmente no período matutino, de alguns minutos do horário de trabalho para o incentivo de atividades lúdicas e físicas, como exercícios de alongamento, respiração e meditação através de músicas relaxantes.
É importante que nestes momentos de interação, descontração e relaxamento participem conjuntamente todos os empregados, desde os integrantes do mais alto escalão da organização empresarial até o denominado "chão da fábrica".
Trata-se de medida simples, de baixo custo e que gera resultados extremamente positivos, pois ao se dispensar atenção e cuidado aos empregados, estes elevam sua auto-estima, aumentam sua auto-confiança e, conseqüentemente, melhoram a qualidade de vida mantendo incólume sua saúde mental.
6.2 Novas técnicas de gerenciamento. A técnica da avaliação 360 graus.
É certo que a depender do modelo de gerenciamento adotado na empresa, pode o fenômeno da violência psicológica encontrar um ambiente propício para o seu desenvolvimento, a exemplo da gestão por estresse, por injúria ou pelo medo.
A fim de evitar formas de administração que permitam a proliferação do mobbing no ambiente de trabalho e que culminam por causar graves prejuízos de ordem econômica à empresa – como as elevadas indenizações por danos morais - emergem novas técnicas de gerenciamento, como a avaliação ou "feedback" de 360 graus.
Esta técnica de gestão, surgida nos Estados Unidos na década de 70, permite a melhora na comunicação, o aumento da transparência nas relações de trabalho e atua como eficaz instrumento para detecção de problemas e sua correção no âmbito empresarial interno. Trata-se de um sistema de avaliação de múltiplas fontes, por meio do qual é possível avaliar os colegas de trabalho e superiores hierárquicos, garantindo-se, sempre, o sigilo, o anonimato e a confidencialidade das manifestações e opiniões expressadas.
Assim, através da troca de informações, vislumbra-se um impacto positivo no meio ambiente de trabalho, pois permite o crescimento e o amadurecimento pessoal e profissional do avaliado que, muitas vezes, somente através desta avaliação toma ciência de seu desempenho, virtudes e defeitos dentro do grupo empresarial.
Note-se que esta técnica não deve ser aplicada apenas no sentido horizontal e vertical descendente, onde somente os subordinados são avaliados, mas também no sentido vertical ascendente, de forma a que os chefes, diretores, supervisores e gerentes sejam avaliados por seus inferiores hierárquicos, assimilem as críticas e, com este aprendizado, empreendam, se necessário, mudanças no perfil de liderança exercido.
A materialização desta técnica de gerenciamento ocorre geralmente através de questionamentos, nos quais são formuladas afirmações e o empregado ou superior hierárquico decide em qual categoria inserir a pessoa em questão, se ineficaz, não muito eficaz, razoavelmente eficaz, eficaz, extremamente eficaz ou não observado.
Os questionamentos hodiernamente indagam acerca do foco do avaliado ao cliente, do seu gerenciamento de equipe, se valoriza opiniões diferentes, se motiva e orienta, se possui bom relacionamento, se adota uma conduta ética no emprego, se existe coerência entre o que fala e o que faz, se valoriza o desenvolvimento dos empregados, dentre inúmeros outros.
Facilmente se percebe, então, que a implantação desta técnica na empresa pode contribuir significativamente na detecção do problema do assédio moral, pois ao se garantir o sigilo e o anonimato das manifestações, a vítima sente-se segura para identificar e expor seu agressor, sem medo de represálias. Em casos tais, deve o departamento de recursos humanos intervir energicamente, repreendendo o agressor por seu comportamento e conscientizando-o da gravidade que sua conduta representa ao bom andamento da organização empresarial.
6.3 Condutas afirmativas da empresa.
Apesar de ser a tática utilizada por muitos empregadores, negar a ocorrência de assédio moral no interior das empresas não minimiza e muito menos soluciona o problema, mas sim o agrava, pois o agressor ao não encontrar limites, prossegue inescrupulosamente até atingir o seu objetivo final de eliminação da vítima do ambiente de trabalho.
Ao invés da negativa, deve buscar o empregador adotar medida diversa, também revestida de simplicidade e baixo custo, que pode acarretar efeitos positivos à organização empresarial, como a divulgação e sensibilização dos obreiros acerca da realidade do assédio moral e suas devastadoras conseqüências.
O treinamento de gerentes para monitorar e identificar as primeiras indicações de conflito e prevenir a deterioração que o mobbing provoca, igualmente se revela uma eficiente medida, pois demonstra claramente não estar a empresa compactuando e tolerando esta forma de violência. Neste trabalho de primazia à informação, deve a empresa escolher profissionais especializados, como médicos do trabalho, psicólogos e advogados militantes nesta seara, que se engajem em uma campanha de explicação e conscientização desta prática, distinguindo o mobbing de outros fenômenos, abrindo espaço para debates, promovendo palestras, confeccionando e distribuindo folhetos explicativos e ensinando técnicas de autodefesa verbal aos ataques do agressor.
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